segunda-feira, 31 de maio de 2010

Israel: novo massacre humanitário?


Os capítulos da história são tão claros, quanto dramáticos. Primeiro os judeus obtêm a aprovação da ONU para a construção do Estado de Israel. Para isso expulsam milhões de palestinos que ocupavam a região. Em seguida, aliados aos EUA, impedem que o mesmo direito, reconhecido igualmente pela ONU, seja estendido aos palestinos, com a construção de um Estado soberano tal qual goza Israel.

Depois, ocupação dos territórios palestinos, militarmente, seguida da instalação de assentamentos com judeus chegados especialmente dos países do leste europeu, recortando os territórios palestinos.

Não contentes com esse esquartejamento dos territórios palestinos, veio a construção de muros que dividem esses territórios, buscando não apenas tornar inviável a vida e a sustentabilidade econômica da Palestina, mas humilhar a população que lá resiste.

Há um ano e meio, o massacre de Gaza. A maior densidade populacional do mundo, cercada e afogada na sua possibilidade de sobrevivência, é atacada de forma brutal pelas tropas israelenses, com as ordens de que “não há inocentes em Gaza”, provocando dezenas de milhares de mortos na população civil, em um dos piores massacres que o mundo conheceu nos últimos tempos.

Não contente com isso, Israel continua cercando Gaza. Um ano e meio depois nem foi iniciado o processo de reconstrução, apesar dos recursos recolhidos pela comunidade internacional, porque a população continua cercada da mesma maneira que antes do massacre de dezembro 2008/janeiro 2009. As epidemias se propagam, enquanto remédios e comida apodrecem no deserto, do lado de fora de Gaza, cercada como se fosse um campo de concentração pelas tropas do holocausto contemporâneo.

Periodicamente navios tentavam levar comida e remédios à população de Gaza, chegando por mar, de forma pacífica, mas sistematicamente eram atacados pelas tropas israelenses. Desta vez a maior comitiva internacional de paz, com cerca de 750 pessoas de vários países, se aproximou de Gaza para tentar romper o bloqueio cruel que Israel mantêm sobre a população palestina. Foi atacada pelas tropas israelenses, provocando pelo menos 19 mortos e várias de dezenas de feridos.

Quem representa perigo para a paz na região e para a paz mundial? O Irã ou Israel? Quem perpetra massacres após massacres contra a indefesa população palestina? Quem impede que a decisão da ONU seja colocada em prática, senão Israel e os EUA, bloqueando a única via de solução política e pacifica para a região – o reconhecimento do direito palestino de ter seu Estado? Quem comete os piores massacres no mundo de hoje, senão aqueles que foram vítimas do holocausto no século passado e que se transformaram de vítimas em verdugos?

Fonte: Blog do Emir Sader

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Todo Repúdio à revista Veja

Por Camila Marins em Fazendo Media

A revista Veja publicou nessa semana a seguinte matéria: “Ser jovem e gay. A vida sem dramas.” A reportagem – por meio de depoimentos de jovens de classe média e classe média alta – aponta que os jovens gays têm assumido a homossexualidade sem qualquer razão para temer ou esconder. A revista ainda mostra que ser militante da causa é quase ultrapassado e que a luta é desnecessária. O que a matéria não registrou, ficou na marginalidade da informação: homofobia existe.

O estranho é que não há um negro ou uma negra na matéria. Ou então jovens pobres. E as travestis? Por que elas não conseguem emprego? Imaginem só uma mulher afirmar que é negra e lésbica. Demais para os leitores de Veja? De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), o Brasil é o campeão mundial de crimes contra lésbicas, gays, travestis, transexuais e bissexuais (LGTTB’s): um assassinato a cada dois dias, aproximadamente 200 crimes por ano, seguido do México com 35 homicídios e os Estados Unidos com 25.

Não precisamos apenas de dados para constatar a homofobia. Quantas piadas, xingamentos e brincadeirinhas estão carregadas de preconceito? Basta ligar a televisão que podemos assistir um general das Forças Armadas (mesmo exemplo dado pela revista) afirmando sua posição contrária à presença de gays na instituição. Pior ainda, que País é este que respalda Marcelo Dourado como campeão do Big Brother Brasil e queridinho da população brasileira? Isso porque Dourado, além de comentários e atitudes machistas e homofóbicas, afirmou que heterossexuais não pegam Aids. Fato que fez com que a Globo utilizasse o mesmo espaço para esclarecimentos do Ministério da Saúde.

Se tudo está mais tranquilo, livre de preconceito e agressões, por que o Brasil não aprova a Lei 122/06 que criminaliza a homofobia? Esse preconceito velado é uma das piores tendências e a revista Veja, inegavelmente nojenta, tenta convencer a população que militar no movimento LGTTB é ultrapassado, ‘over’. Ninguém esconde orientação sexual embaixo de bandeiras. Ao contrário, militamos por uma sociedade justa e livre de preconceitos. Desqualificar a luta do movimento LGTTB é, no mínimo, ignorância. Foi por meio da luta do movimento que a homossexualidade deixou de ser considerada doença e perversão e, até hoje, é referência histórica na contra a homofobia.

Se não há preconceito, por que pessoas do mesmo sexo não andam sequer de mãos dadas em público? Por que travestis sofrem violência física e moral todos os dias? Por que as travestis não conseguem emprego ou o simples direito de mudar de nome? Por que as mulheres lésbicas sofrem com a falta de um atendimento específico nos hospitais e postos de saúde – elas mal são tocadas, principalmente as negras, além de sofrerem com péssima orientação médica? Por que homens gays são massacrados em instituições, seja exército ou universidade? Por que casais gays não podem se casar ou adotar filhos? Eu mesma, só conheci uma travesti com um emprego que não fosse profissional do sexo. Ela era operadora de telemarketing… Mais uma vez, escondida.

A luta contra a homofobia não deve parar e cada um de nós deve lutar por um mundo melhor livre de opressões. Todo REPÚDIO à revista Veja. Viva a luta do movimento LGTTB!

(*) Camila Marins é jornalista e poeta.
http://camilamarins.blogspot.com

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Lula inaugura a diplomacia da nova era


Por Leonardo Boff

O acordo alcançado por Lula e pelo primeiro ministro turco com o Irã a respeito da produção de urânio enriquecido para fins pacíficos possui uma singularidade que convem enfatizar. Foi alcançado mediante o diálogo, a mútua confiança que nasce do olho no olho e a negociação na lógica do ganha-ganha. Nada de intimidações, de imposições, de ameaças, de pressões de toda ordem e de satanização do outro.

Essa era e continua a sendo a estratégia das potências militaristas e imperiais que não se dão conta de que o mundo mudou. Elas estão encalacrados no velho paradigma do big stick, da negociação com o porrete na mão ou da pura e simples intervenção para a qual tudo vale, a mentira deslavada como no caso da guerra injusta contra o Iraque, a violência militar mais sofisticada contra um dos países mais pobres do mundo como o Afeganistão ou os conhecidos golpes armados pela CIA em vários paises, nomeadamente na América Latina.

Curiosamente, esta estratégia nunca deu fruto nenhum em nenhum lugar. Os USA estão perdendo todas as guerras, porque ninguém vence um povo disposto a dar a sua vida e até suscitar "homens-bomba" para enfrentar um inimigo armando até os dentes mas cheio de medo e exposto à vergonha e à irrisão mundial. O que conseguiram foi alimentar raiva, rancor e espírito de vingança, fermento de todo o terrorismo.

A maior ameaça para estabilidade mundial hoje são os EUA pois a ilusão de serem "o novo povo eleito" - pois assim reza o "destino manifesto" que os neocons, muito fortes, como Bush, acreditam piamente - faz com que se sintam no direito de intervir em todo o mundo. Pretendem levar os direitos humanos quando os violam vergonhosamente, querem impôr a democracia quando, na verdade, criam uma farsa, visam abrir o livre mercado para suas multinacionais para que livremente possam explorar a riqueza do pais, seu petróleo e seu gás.

A diplomacia de Lula se contrapõe diretamente àquela do Conselho de Segurança e a de Barack Obama. A de Lula olha para frente e se adequa ao novo. A de Barack Obama olha para traz e quer reproduzir o velho.

O paradigma velho supõe que haja uma nação hegemônica e imperial, no caso o USA. Esta se rege pelo paradigma do inimigo, bem na linha do teórico da filosofia política que fundamentou os regimes de força como fez com o nazismo, Carl Schmitt(+1985). Em seu livro O Conceito do Politico claramente diz:"a existência política de um povo depende de sua capacidadede definir quem é amigo e quem é inimigo..o inimigo deve ser combatido e psicologicamente deve ser desqualificado como mau e feio". Não fez exatamente isso Bush chamando os paises donde vinham os terroristas de "paises canalhas" contra quem se deve fazer uma "guerra infinita"? Éssa argumentação é sistêmica e funciona ainda hoje na cabeça dos dirigentes norteamericanos. Políticas inspiradas nesse paradigma ultrapassado podem levar a cenários dramáticos com o sério risco de destruir o projeto planetário humano. Esse paradigma é belicista, reducionista e míope pois não percebe as mudanças históricas que estão ocorrendo na linha da fase planetária da história que exige estratégias de cooperação visando proteger a Terra e cuidar da vida.

O paradigma novo, representado por Lula, assume a singularidade do atual momento histórico. Mudou nossa percepção de fundo: somos todos interdependentes, habitando juntos na mesma Casa Comum, a Terra. Ninguém tem um futuro particular e próprio. Surge um destino comum globalizado: ou cuidamos da humanidade para que não se bifurque entre os que comem e os que não comem e protegemos o planeta Terra para que não seja dizimado pelo aquecimento global ou então não teremos futuro algum. Estamos vinculados definitavamente uns aos outros.

Lula em sua fina percepção pelo novo, agiu coerentemente: não se pode isolar e castigar o Irã. Importa traze-lo à mesa de negociação, com confiança e sem preconceitos. Essa atitude de respeito trará bons frutos. E é a única sensata nesta nova fase da história humana. Lula aponta e inaugura o futuro da nova diplomacia, a única que nos garantirá a paz.


(Envolverde/O autor)

Fonte: http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=75077&edt=

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Israel nega entrada de Noam Chomsky na Cisjordânia


No dia 15 de maio, o conhecido linguista, filósofo e ativista político estadunidense Noam Chomsky não pode entrar em Israel para dar uma conferência na universidade palestina de Birzeit , junto a Ramala. Depois de ter sido interrogado por mais de três horas, o acadêmico, que é judeu, teve o seu passaporte carimbado com a frase "entrada recusada". A porta-voz do Ministério do Interior israelense, Sabine Haddad, confirmou que a entrada de Chomsky foi recusada "por várias razões", mas não deu detalhes.

Chomsky é um dos maiores críticos de Israel no mundo acadêmico. Assume-se como socialista libertário e simpatizante do anarquismo, tendo publicado várias análises sobre as relações de conivência entre o poder e os meios de comunicação. Para ele, Israel e os EUA impedem a paz no Oriente Médio por não aceitarem a proposta de acordo da Liga Árabe.

Em março, ele recebeu, na Alemanha, o Prémio Eric Fromm 2010 pelo seu trabalho, convicções políticas e sua posição em defesa dos direitos dos pobres e oprimidos.

Fonte: icarabe

sábado, 22 de maio de 2010

Janete Clair chegou aos telejornais da Globo



De uns tempos pra cá, os apresentadores de telejornais globais andam fazendo caras e caretas. Se a notícia é triste, a expressão fica séria. Se é mais descontraída, aparece um sorriso no canto da boca. Para novidades alegres, dentes à mostra. Tudo muito canastrão.

O casal que apresenta o Jornal Nacional chega a trocar olhares incrédulos após ouvir uma reportagem surpreendente. Como se já não soubessem de tudo com antecedência de algumas horas.

O novo modelo deve ter sido inspirado em Sandra Annenberg, atual âncora do jornal Hoje. Ex-atriz, há muito tempo a jornalista tem a irritante mania de interpretar as notícias que dá. Tudo indica que vai ficando para trás a época em que Cid Moreira apresentava o noticiário com jeito de boneco de ventríloquo.

Por outro lado, o enredo de muitas novelas se parece com pautas de revistas. Abordam temas como violência, uso de drogas, doenças mentais, etc. Não à toa, sai a novela, entra o JN. Sai o JN, entra a novela. Sem pausas para comerciais.

O problema é que o público pode ter a impressão de que está tendo acesso ao sagrado direito à informação. Na verdade, recebe dramatizações cada vez mais parciais e distorcidas. Jornalismo de verdade, só em casos de mera coincidência.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A Europa está implodindo?

por Immanuel Wallerstein, no Esquerda.Net

A Europa teve os seus opositores desde o início da longa senda para a unificação. Houve muitos que a acharam impossível. E houve muitos que a consideraram indesejável. Ainda assim, temos de dizer que, no longo e sinuoso caminho que seguiu desde 1945, o projeto de unificação européia teve um notável sucesso. Afinal, a Europa fora dilacerada por conflitos nacionalistas durante pelo menos 500 anos, conflitos que culminaram na horrenda Segunda Guerra Mundial. E a vingança parecia ser o sentimento dominante. Em 2010, o que hoje se chama União Européia (UE) alberga uma moeda única, o euro, usada em 16 países. Tem também uma zona de 25 membros, chamada Schengen, que permite uma forma de livre circulação, sem vistos. Tem uma burocracia central, um tribunal de direitos humanos, e está a caminho de ter um presidente e um ministro de Relações Exteriores.
Não se deveria exagerar a força destas estruturas, mas não se deveria também subestimar até que ponto tudo isto representou, para o bem ou para o mal, a superação da resistência nacionalista por toda a Europa, especialmente em alguns dos estados mais fortes. Contudo, também acontece que neste momento, em certos aspectos importantes, a Europa parece prestes a implodir. As palavras-chave desta implosão são “Grécia” e “Bélgica”.
A Grécia, como todo o mundo sabe, atravessa uma crise severa da sua dívida soberana. A Moody declarou que os títulos gregos estatais são lixo (junk bonds). O primeiro-ministro George Papandreou disse, muito relutantemente, que teria provavelmente de buscar o Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter um empréstimo, um empréstimo que implica as habituais condições que exigem formas específicas de reestruturação neoliberal. Esta idéia é muito impopular na Grécia – um ataque à soberania grega, ao orgulho grego, e especialmente aos bolsos gregos. Também foi acolhida com desânimo em muitos estados europeus, que consideram que a ajuda à Grécia deveria vir, em primeiro lugar, dos outros membros da UE.
A explicação deste cenário é bastante simples. A Grécia tem um grande déficit orçamentário. Como o país é parte da zona euro, não pode desvalorizar a moeda para aliviar o problema. Por isso, precisa de ajuda financeira. O país maior e mais rico da Europa, a Alemanha, tem sido muito relutante, para não dizer pior, em dar essa ajuda. O povo alemão opõe-se fortemente a ajudar a Grécia, basicamente por um reflexo protecionista num momento de tensão europeia. Teme também que a Grécia seja o primeiro de uma fila de outros (Portugal, Espanha, Irlanda, e Itália) que façam pedidos semelhantes se a Grécia obtiver essa ajuda.
O povo alemão parece desejar que todos os problemas desapareçam, ou pelo menos que a Grécia de alguma forma seja expulsa da zona euro. Para além do fato de isto ser legalmente impossível, o país que mais sofreria as conseqüências disto, depois da Grécia, seria certamente a Alemanha, cuja riqueza econômica é amplamente baseada no forte mercado exportador que possui no interior da zona euro. Assim, de momento, parecemos estar num impasse. E os abutres do mercado pairam sobre os países da zona euro que estão em dificuldades com sua dívida soberana.
No meio disto, a agora perene crise belga voltou a manifestar-se de forma particularmente aguda. A Bélgica, como país, chegou à existência como resultado de políticas pan-europeias. O colapso do império Habsburgo de Carlos V resultou na partição dos chamados Países Baixos da Borgonha nas Províncias Unidas no Norte e nos Países Baixos Austríacos no Sul. As Guerras Napoleonicas levaram a que as duas partes se unissem de novo no restaurado Reino dos Países Baixos. E os conflitos europeus de 1830 levaram mais uma vez à divisão das duas partes, com a criação da Bélgica, mais ou menos no que outrora tinham sido os Países Baixos Austríacos, com um rei importado de fora.
A Bélgica sempre foi um composto de “Flamengos” de fala holandesa e de “Valões” de língua francesa, em grande parte, mas imperfeitamente localizados em dois diferentes setores geográficos (o norte e o sul da Bélgica). Há também uma pequena zona de fala alemã.
Até 1945, os valões eram os mais ricos e educados, e controlavam as principais instituições do país. O nacionalismo flamengo nasceu como a voz dos desfavorecidos lutando pelos seus direitos políticos, econômicos e lingüísticos. Depois de 1945, a economia belga sofreu uma mudança estrutural. As áreas dos valões perderam e as áreas flamengas ganharam força. A política belga, em conseqüência, tornou-se uma luta infindável dos flamengos para obter mais direitos políticos – devolução de poderes, com muitos tendo o objetivo final de dissolver a Bélgica em dois países.
Pouco a pouco, os flamengos foram obtendo mais e mais. Hoje, a Bélgica, como país, tem uma monarquia comum, um ministro das Relações Exteriores comum e muito pouco mais. A questão problemática neste acordo é que a Bélgica é hoje um estado confederado, com três, não duas, regiões – Flandres, Valônia, e Bruxelas (a capital).
Bruxelas não é só a capital da Bélgica. É a capital da Europa, a sede da Comissão Europeia. Bruxelas é também uma cidade bilíngüe. E os flamengos insistem em torná-la menos. O problema é que, mesmo que houvesse um acordo para a dissolução da Bélgica, não haveria uma forma fácil de chegar a acordo sobre o destino de Bruxelas.
A última negociação foi tão intratável que o Le Soir, o principal jornal de língua francesa, proclamou que “a Bélgica morreu em 22 de Abril de 2010″. O principal editorialista perguntou: “Este país ainda faz sentido?” No momento, o rei está tentando, talvez em vão, recriar o governo. Pode ser forçado a convocar novas eleições, sem muitas esperanças de que estas produzam um parlamento realmente diferente. Em 1 de julho, a Bélgica assume a presidência rotativa, de seis meses, da UE, e não é certo que haja um primeiro-ministro belga que a presida.
O problema grego é o problema da propagação. Não haverá uma réplica das dificuldades – se é que isso já não acontece – noutros países da Europa? Será que o euro pode sobreviver? O problema belga apresenta contudo, um ainda maior problema de propagação. Se a Bélgica se divide, e ambas as partes serão então membros da UE, não haverá outros estados pensando em dividir-se? Afinal, existem importantes movimentos secessionistas ou quase secessionistas em muitos países da UE. A crise belga pode facilmente tornar-se a crise da Europa.
Das duas ameaças de implosão, aquela simbolizada pela Grécia é a mais fácil de resolver. Basicamente, é necessário que a Alemanha compreenda que as suas necessidades são melhor preenchidas pelo protecionismo europeu que pelo protecionismo alemão.
A crise belga coloca uma questão muito mais fundamental. Se a Europa estivesse disposta, imediatamente, a avançar para um verdadeiro estado federativo, poderia acomodar a explosão de qualquer dos seus estados existentes. Mas, até agora, não se mostrou disposta a isso. E as dificuldades econômicas mundiais coletivas reforçaram em muito os estreitos elementos nacionalistas em virtualmente todo país europeu, como demonstraram todas as recentes eleições. Sem uma forte federação européia, seria extremamente difícil que a Europa sobrevivesse a uma corrente de divisões. No meio da destruição política, a Europa poderia ir pelo cano abaixo.
Há uma certa Schadenfreude (alegria mordaz) entre os políticos americanos acerca das dificuldades européias. Porém, o que pode salvar a Europa da implosão é precisamente a sempre crescente ameaça de implosão dos Estados Unidos. A Europa e os Estados Unidos estão numa gangorra, na qual enquanto um sobe, o outro desce. Que resultado isto vai ter nos próximos dois a cinco anos é tudo menos claro.

Fonte: Viomundo / Esquerda.net

IRAN X "MUNDO CIVILIZADO"

Acordo Brasil-Irã e a "inveja" da mídia
Reproduzo artigo de Leandro Fortes, publicado no blog “Brasília, eu vi”:

Em linhas gerais, Luís Fernando Veríssimo disse, em artigo recente, que as gerações futuras de historiadores terão enorme dificuldade para compreender a razão de, no presente que se apresenta, um presidente da República tão popular como Luiz Inácio Lula da Silva ser alvo de uma campanha permanente de oposição e desconstrução por parte da mídia brasileira. Em suma, Veríssimo colocou em perspectiva histórica uma questão que, distante no tempo, contará com a vantagem de poder ser discutida a frio, mas nem por isso deixará de ser, talvez, o ponto de análise mais intrigante da vida política do Brasil da primeira década do século XXI.

A reação da velha mídia nativa ao acordo nuclear do Irã, costurado pelas diplomacias brasileira e turca, chega a ser cômica, mas revela, antes de tudo, o despreparo da classe dirigente brasileira em interpretar a força histórica do momento e suas conseqüências para a consolidação daquilo que se anuncia, finalmente, como civilização brasileira.

O claro ressentimento da velha guarda midiática com o sucesso de Lula e do ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, deixou de ser um fenômeno de ocasião, até então norteado por opções ideológicas, para descambar na inveja pura, quando não naquilo que sempre foi: um ódio de classe cada vez menos disfarçado, fruto de uma incompreensão histórica que só pode ser justificada pelo distanciamento dos donos da mídia em relação ao mundo real, e da disponibilidade quase infinita de seus jornalistas para fazer, literalmente, qualquer trabalho que lhe mandarem os chefes e patrões, na vã esperança de um dia ser igual a eles.

Assim, enquanto a imprensa mundial se dedica a decodificar as engrenagens e circunstâncias que fizeram de Lula o mais importante líder mundial desse final de década, a imprensa brasileira se debate em como destituí-lo de toda glória, de reduzí-lo a um analfabeto funcional premiado pela sorte, a um manipulador de massas movido por programas de bolsas e incentivos, a um demagogo de fala mansa que esconde pretensões autoritárias disfarçadas, aqui e ali, de boas intenções populares. Tenta, portanto, converter a verdade atual em mentiras de registro, como se fosse possível enganar o futuro com notícias de jornal.

Destituídos de poder e credibilidade, os barões dessa mídia decadente e anciã se lançaram nessa missão suicida quando poderiam, simplesmente, ter se dedicado a fazer bom jornalismo, crítico e construtivo. Têm dinheiro e pessoal qualificado para tal. Ao invés disso, dedicaram-se a escrever para si mesmos, a se retroalimentar de preconceitos e maledicências, a pintarem o mundo a partir da imagem projetada pela classe média brasileira, uma gente quase que integralmente iletrada e apavorada, um exército de reginas duartes prestes a ter um ataque de nervos toda vez que um negro é admitido na universidade por meio de uma cota racial.

Ainda assim, paradoxalmente, uma massa beneficiada pelo crescimento econômico, mas escrava da própria indigência intelectual.

IRAN X "MUNDO CIVILIZADO"

Demonização da viagem de Lula ao Irã ancora-se em argumentos falaciosos e tendenciosos

por Luiz Eça*, no Correio da Cidadania
18-Mai-2010

Dificilmente a visita de um chefe de Estado a outro país causou tantas críticas quanto a que Lula está fazendo ao Irã.

Desde Hillary Clinton até deputados brasileiros, passando por Bernard Kouchner (ministro das Relações Exteriores da França), jornalistas nacionais , congressistas e colunistas americanos, entre outros, criticaram o nosso presidente de diversas maneiras.

A maioria considerou essa viagem uma aproximação, digamos, vil, com uma ditadura cruel que prende, mata e tortura opositores. Não se pode negar que estas afrontas aos direitos humanos têm acontecido no Irã, depois das manifestações de repúdio à eleição de Ahmadinejad.

Pelo menos episodicamente, o governo iraniano não ficou omisso. Está processando 12 indivíduos suspeitos de torturar até a morte 3 oposicionistas. Além disso, depois de repetidas denúncias sobre barbaridades cometidas na prisão de Kahizak, ordenou seu fechamento.

Claro, devia fazer muito mais, especialmente porque, ao que se sabe, as violências contra adversários continuam. No entanto, nesse quesito, EUA e Israel ficaram atrás, pois nesses países os violadores dos direitos humanos continuam livres e tranqüilos.

Ao reconhecer as torturas da gestão Bush, Obama declarou que seus autores não seriam punidos. Ele proibiu essas práticas, mas, infelizmente, parece que elas continuam. Só para ficar em exemplos recentes, ainda na primeira semana de maio, a Cruz Vermelha denunciou a existência no Afeganistão de uma prisão secreta para suspeitos na base aérea de Bagran. E 9 ex-prisioneiros, liberados por falta de provas, declararam que foram submetidos a abusos no local. Simon Hersh, o famoso repórter que denunciou My Lay e Abu Ghraib, revelou, em Genebra, na Conferência Global do Jornalismo Investigativo, que inimigos capturados na guerra do Afeganistão, em vários casos, foram executados no próprio campo de batalha pelo exército americano.

Quanto a Israel, as autoridades do emirado de Dubai (grande amigo dos EUA) continuam acusando o Mossad de ter executado um homem do Hamas em plena cidade árabe. Pediram até à Interpol a prisão de vários agentes e do chefe do serviço secreto israelense. Lembramos ainda o inquérito da ONU, presidido por um juiz judeu, que acusou o exército do governo de Telaviv de crimes de guerra e contra a humanidade no ataque a Gaza, o qual vitimou mais de 1.000 civis. Nem os judaicos, nem os oficiais das forças armadas receberam as devidas punições.

Apesar destes fatos criminosos de responsabilidade dos governos dos EUA e de Israel, ninguém jamais pensou em censurar Lula quando viajou para estes países.

Curiosamente, são eles que clamam com maior fúria por sanções ao Irã, que o forçassem a abandonar um programa de engenhos nucleares ainda não provado. Dizem que o enriquecimento do urânio demonstraria as intenções iranianas de produzir armas nucleares. O que seria uma catástrofe nas mãos de um “rogue state” (um estado entre delinqüente e irresponsável) que já prometera jogar Israel no mar.

Embora Ahmadinejad tenha declarado que fora mal entendido, que jamais pretendera atacar Israel, que a História é que acabaria com o regime sionista, por seu caráter racista – o ato de fundação afirma Israel como estado judaico -, a grande imprensa internacional e brasileira ignoraram suas explicações. Como também ignoraram que, na verdade, quem toca os tambores de guerra na região, comportando-se como autênticos ‘rogue states”, são os EUA – com menções ao célebre “todas as opções estão sobre a mesa” - e Israel, com sucessivas ameaças de ataque ao Irã.

Os exemplos são muitos. Novamente mencionaremos apenas os mais recentes.

Neste mês, Gary Samore, coordenador na Casa Branca do controle de armas de destruição em massa, informou à Reuters que seu governo havia pressionado Moscou a não entregar ao Irã o sistema antimíssil S-300, já contratado. “Deixamos claro aos russos que isso traria um impacto em nossas relações bilaterais significativo. Os russos entenderam que as conseqüências seriam severas”. E nós entendemos que o governo Obama está zelando para enfraquecer as defesas iranianas e, por conseqüência, tornar eventuais ataques ao país mais destrutivos. Nada mais bizarro da parte de um Prêmio Nobel da Paz

Na semana que passou, Moshe Ya´alon, vice-primeiro ministro de Israel, anunciou que suas forças aéreas estavam prontas para a guerra contra o Irã. Ya´alon, apesar do alto posto que ocupa num governo que se diz empenhado na paz com os palestinos, já os qualificou como um “câncer”.

Estes fatos não são levados em conta pelos críticos da viagem de Lula, que ajuntam a seus argumentos a consideração de que a amizade com o Irã está afastando o Brasil da comunidade internacional. A maioria dos nossos comentaristas e muitos políticos enchem a boca quando falam nessa “comunidade internacional”, sem perceber que este termo está sendo usado de maneira pelo menos incorreta, para não dizer arrogante e até racista, pois os 118 países não alinhados já se manifestaram contra as sanções. Será que estes 118, por serem asiáticos, africanos e latino-americanos, não integram a “comunidade internacional”? Será que dela só merecem fazer parte os europeus e norte-americanos, talvez, por coincidência, povos basicamente brancos? Aparentemente, eles esqueceram que os tempos dos impérios coloniais já se foram. E que agora países negros, amarelos e vermelhos são membros do mundo civilizado.

A última observação que essa peculiar “comunidade internacional” faz é que, dialogando com o Brasil e a Turquia, co-participante das conversações de paz em Teerã, estão fazendo o jogo dos aiatolás que visam ganhar tempo, adiar ao máximo as sanções contra seu país, até poderem concluir seus artefatos nucleares. Hillary Clinton acaba de telefonar para o presidente turco advertindo-o insistentemente desta falácia islâmica.

Parece um argumento pífio. Se todas as autoridades técnicas concordam que o Irã precisaria de ao menos 5 anos para produzir sua primeira bomba de destruição em massa, seria uma missão impossível para o governo de Teerã conseguir enrolar o mundo por um prazo tão avultado.

O Financial Times de 13 de maio considera que, ao tentar mediar um diálogo com o Irã, o Brasil “desafia a política externa dos EUA”. É verdade, essa política tem um norte hoje muito claro: impor sanções tão terríveis que isolem o Irã do comércio mundial e o levem a uma crise capaz de provocar a queda do regime dos aiatolás. E sua substituição por gente mais cordata.

Alega-se que Obama passou um ano estendo a mão a Ahmadinejad sem obter respostas. Não foi bem assim. Suas mãos estendidas tinham os punhos fechados, ameaçando socos, pois, desde junho de 2009, não houve uma única tentativa de aproximação concreta dos EUA, apenas retórica, coisa em que seu presidente é mestre, enquanto as ameaças, partidas especialmente da gaviã Hillary Clinton, foram constantes.

Não há dúvida de que o Irã vem praticando violências altamente reprováveis contra a oposição. Mas, como diria a filósofa Denise Charuto, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. As justas críticas às ações repressivas do governo dos aiatolás não o transformam em réu na presente crise nuclear. Até os opositores mais ardorosos de Ahmadinejad defendem o direito do país de ter um programa nuclear pacífico e condenam as sanções que os EUA e seguidores querem lhe impor.

Nesta semana, as coisas podem se encaminhar bem. Já se sabe que o Irã está disposto a fazer concessões às propostas dos chefes do governo do Brasil e da Turquia – de envio do urânio iraniano de baixo enriquecimento ao território turco, onde ficaria até ser trocado com o urânio enriquecido a 20 graus na França ou na Rússia.

Além disso, de Bruxelas, a agência DPA reportou que está sendo agendada uma reunião entre Catherine Ashton, chefe de Política Internacional da União Européia, e o chefe das negociações nucleares do Irã, Saeed Jalili, por iniciativa de Ahmed Davotaglu, ministro das Relações Exteriores da Turquia.

Há possibilidades de que a tão criticada viagem do presidente Lula a Teerã poderá representar um princípio da solução da crise.

*Luiz Eça é jornalista.


Fonte: Correio da Cidadania

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Lei Áurea, 122. Conheça o escravo de hoje


por Leonardo Sakamoto


Há exatos 122 anos, era declarada ilegal a propriedade de um ser humano sobre outro no Brasil.

Contudo, a Lei Áurea – curta, grossa e lacônica – não previu nenhuma forma de inserir milhões de recém-libertos como cidadãos do pais, muitos menos alguma compensação pelos anos de cárcere para que pudessem começar uma vida independente. Para substituir os escravos, veio a imigração de mão-de-obra estrangeira, agora assalariada. Os fazendeiros não precisavam mais comprar trabalhadores, podiam apenas pagar-lhes o mínimo necessário à subsistência. Ou nem isso.

Enquanto isso, o trabalho escravo moderno deu lugar a formas contemporâneas de escravidão, em que trata-se o trabalhador como animal, explora-se sua força física aos limites da exaustão e cria-se maneiras de prendê-lo à terra, seja por dívidas ilegais, seja por qualquer outra forma. Para isso, são usadas ameaças e violência como estratégias de convencimento. No passado, sentiram isso na pele imigrantes europeus nos cafezais do Sudeste e migrantes nordestinos nos seringais do Norte. Ainda hoje, são vitimas da escravidão contemporânea milhares de trabalhadores pobres em fazendas de gado, soja, algodão, milho, arroz, cana-de-açúcar, carvoarias, oficinas de costura, pátios de obras de hidrelétricas.

Qual o perfil desse escravo de hoje? Desde 1995, quando o governo federal criou os grupos móveis de fiscalização que verificam denunciam e libertam trabalhadores, 37.205 foram oficialmente retirados dessas condições. Se considerarmos os trabalhadores rurais resgatados entre 2003 e 2009 (descontando o trabalho escravo urbano e o voltado para exploração sexual), temos Maranhão, Pará, Bahia e Mato Grosso do Sul como principais fontes de escravos; uma maioria de homens (95%); a ausência de formação – 40% analfabetos e 28% apenas com a 4ª série incompleta; 63% entre 18 e 34 anos – ou seja, no auge de sua força física, podendo entregá-la aos empregadores.

Saem de regiões pobres para procurar empregos em outros lugares fugindo da pobreza e da falta de oportunidades melhores. A fronteira agrícola amazônica tem sido, historicamente, Pará à frente, o principal destino desses trabalhadores. O município de São Félix do Xingu (PA) é campeão no número de casos de fiscalização desse crime. A fazenda e usina Pagrisa, em Ulianópolis (PA), foi palco da maior libertação até agora com 1.064 pessoas resgatadas. Mas resgates já foram realizados do Rio Grande do Sul a Roraima, passando por São Paulo e Rio de Janeiro, mostrando que o problema é nacional.

Vamos dar um passo atrás e ver e ver de onde vem essa herança maldita. Em 1850, o governo brasileiro finalmente adota ações eficazes para coibir o tráfico transatlântico de escravos após pressão inglesa. Nos anos seguintes, foram tomadas medidas que libertaram crianças e sexagenários. O que, na verdade, serviu apenas como distrações para postergar o fim da escravidão. Os escravos que conseguiam chegar aos 60 anos já não tinham condições de trabalho e eram um “estorvo” financeiro para muitos fazendeiros que os sustentavam. Já os filhos dos escravos não possuíam autonomia para viver sozinhos. Muitos, até completarem 18 anos, foram tutelados (e explorados) pelos proprietários de seus pais.

Mas, por mais que fosse postergada, com o fim do tráfico transatlântico, a propriedade legal sob seres humanos estava com os dias contados. Em questão de anos, centenas de milhares de pessoas estariam livres para ocupar terras virgens – que o país tinha de sobra – e produzir para si próprios em um sistema possivelmente de campesinato. Quem trabalharia para as fazendas? Como garantir mão-de-obra após a abolição total?

Vislumbrando que, mantida a estrutura fundiária do país, o final da escravidão poderia representar um colapso dos grandes produtores rurais, o governo brasileiro criou meios para garantir que poucos mantivessem acesso aos meios de produção. A Lei de Terras foi aprovada poucas semanas após a extinção do tráfico de escravos, em 1850, e criou mecanismos para a regularização fundiária. As terras devolutas passaram para as mãos do Estado, que passaria a vendê-las e não cedê-las como era feito até então. O custo da terra começou a existir, mas não era significativo para os então fazendeiros, que dispunham de capital para a ampliação de seus domínios – ainda mais com os excedentes que deixaram de ser invertidos com o fim do tráfico. Porém, era o suficiente para deixar ex-escravos e pobres de fora do processo legal. Ou seja, mantinha a força de trabalho à disposição.

As legislações que se sucederam a ela e trataram do assunto apenas reafirmaram medidas para garantir a existência de um contingente reserva de mão-de-obra sem acesso à terra, mantendo baixo o nível de remuneração e de condições de trabalho. Com a Lei de 1850 estava formatada uma nova estrutura – em substituição àquela que seria extinta em maio de 1888 – para sujeitar os trabalhadores.

O fim da escravidão não representou a melhoria na qualidade de vida de muitos trabalhadores rurais, uma vez que o desenvolvimento de um número considerável de empreendimentos continuou a se alimentar de formas de exploração semelhantes ao período da escravidão como forma de garantir uma margem de lucro maior ao empreendimento ou mesmo lhe dar competitividade para a concorrência no mercado. Governo e sociedade têm obtido vitórias no combate a esse crime, atacando o tripé que o sustenta (impunidade, ganância e pobreza). Mas sua erradicação ainda é um sonho distante.

Para além dos efeitos da Lei Áurea que completa 122 anos, trabalhadores rurais do Brasil ainda vivem atualmente sob a ameaça do cativeiro. Mudaram-se os rótulos, ficaram as garrafas.

Fonte: Blog do Sakamoto

122 anos de 13 de maio - parte I




Renda de negros cresce 222% em 8 anos


Os consumidores negros e pardos devem fechar 2010 com uma renda de R$ 546 bilhões no bolso, o que equivale a 40% do total previsto para todas as famílias (negras e não negras) do país, de R$ 1,38 trilhão.

Isso significa que, a cada R$ 10 disponíveis para o consumo neste ano no Brasil, R$ 4 estarão em poder de trabalhadores negros e pardos (com ou sem carteira assinada). No total da população, eles representam 51%. Em 1998, eram 45%.

As projeções da renda disponível neste ano foram feitas pelo Data Popular, instituto de pesquisas e consultoria, a partir dos rendimentos das famílias da Pnad de 2008, última disponível pelo IBGE.

Os valores foram atualizados para 2010 e consideram a inflação medida pelo IPCA no período, os reajustes concedidos ao salário mínimo nos últimos dois anos e a previsão de crescimento do país de 5% neste ano.

Em 2002, a massa de renda total de negros e pardos foi de R$ 170 bilhões. Se confirmada a previsão deste ano (R$ 546 bilhões), o crescimento será de 222% em relação àquele ano.

O resultado chama a atenção porque o salário de um negro ainda é cerca da metade do de um branco. Mesmo assim, a massa de renda dos negros já representa 40% do total.

O que explica essa aparente contradição é que no total de rendimentos das famílias não entram somente salários. No cálculo estão todas as fontes de receita -como trabalhos avulsos (bicos) e temporários.

A disparidade salarial obrigou as famílias negras a estimularem também o trabalho de crianças e adolescentes para complementar a renda.

"Em uma família branca, que, em geral, é menos numerosa, é comum encontrar só o pai como gerador de renda", diz Renato Meirelles, sócio-diretor do instituto. "Na família negra, os filhos trabalham. Se não for assim, não terão como pagar a faculdade e melhorar de vida."

O aumento de emprego formal e o maior acesso à educação e ao crédito são as principais razões para explicar a alta no poder de consumo dos negros. De 1998 a 2008, a proporção de negros e pardos com ensino superior completo no total de adultos (25 anos ou mais) passou de 2,2% para 4,7%.

"As políticas públicas que vêm sendo desenvolvidas desde o final do governo FHC também contribuem para ajudar na inserção do negro no mercado de trabalho", diz Meirelles.

"Antes, havia mais negros na informalidade, com renda ainda menor. Hoje não há como falar sobre a nova classe média brasileira sem falar no negro."

A classe C negra deve ter disponível renda de R$ 187 bilhões neste ano -ou 43,8% da renda total prevista para a classe C (com renda de 3 a 10 mínimos).

Mas as empresas ainda estão longe de atender ao anseio desse consumidor. "Ter uma política de inclusão não significa somente ter um sabonete específico ou colocar o negro como garoto-propaganda. Isso é um avanço, mas é preciso entender os valores e a cultura negra."

Alcir Gomes Leite, diretor-executivo e sócio da DM9, diz que empresas e marcas estão "aprendendo" a olhar para a classe C independentemente de sua cor.

"Ainda existem erros absurdos de criar estereótipos para essa classe, que tem hábitos e um jeito próprio de ser. O Brasil é um país de classes C e D, acho estranho considerar que são nichos de mercado."

122 anos de 13 de maio... Parte II




DE CADA 4 TRABALHADORES LIBERTADOS NO PAÍS, 3 SÃO PRETOS OU PARDOS, DIZ ESTUDO DE ECONOMISTA DA UFRJ

por ANTÔNIO GOIS


Passados 122 anos desde a Lei Áurea, 3 em cada 4 trabalhadores libertados de situações análogas à escravidão hoje são pretos ou pardos.

É o que mostra um estudo do economista Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, feito a partir do cadastro de beneficiados pelo Bolsa Família incluídos no programa após ações de fiscalização que flagraram trabalhadores em situações que, para a ONU, são consideradas formas contemporâneas de escravidão.

São pessoas trabalhando em situações degradantes, com jornada exaustiva, dívidas com o empregador -que o impedem de largar o posto- e correndo riscos de serem mortas.

Paixão, que publica anualmente um Relatório de Desigualdades Raciais (ed. Garamond), diz que foi a primeira vez em que conseguiu investigar a cor ou raça desses trabalhadores, graças à inclusão do grupo no Bolsa Família.

Os autodeclarados pretos e pardos -que Paixão soma em seu estudo, classificando como negros- representavam 73% desse grupo, apesar de serem 51% da população total do Brasil. Tal como nas pesquisas do IBGE, é o próprio entrevistado que, a partir de cinco opções (branco, preto, pardo, amarelo ou indígena) define sua cor.

Para o economista, “a cor do escravo de ontem se reproduz nos dias de hoje. Os negros e índios, escravos do passado, continuam sendo alvo de situações em que são obrigados a trabalhar sem direito ao próprio salário. É como se a escravidão se mantivesse como memória”.

Pretos e pardos são maioria entre a população mais pobre. Segundo o IBGE, entre os brasileiros que se encontravam entre os 10% mais pobres, 74% se diziam pretos ou pardos.

Para Paixão, ainda que hoje a cor não seja o único fator a determinar que um trabalhador esteja numa condição análoga à escravidão, o dado sugere que ser preto ou pardo eleva consideravalmente a probabilidade.

Em tempo: em entrevista à Record News, nesta última terça-feira, a professora Flávia Piovesan, especialista em direitos humanos, contou que estudo do professor Paixão mostra que no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU), o Brasil está em 70º. lugar. Se o Brasil fosse só de brancos, o IDH pularia para o 30º. lugar. Se fosse só de negros, cairia para 104º. lugar. Não, nós não somos racistas.

A propósito, também como singela homenagem a Kamel, clique aqui para ler o post sobre o artigo de Maria Rita Kehl, no Estadão, em que ela associa a decisão do Supremo sobre a Anistia ao assassinato sob tortura de um motoboy, num quartel da PM de Serra, em SP.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O inimigo do povo


Constituinte: Serra votou sempre contra os trabalhadores.



Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2010/04/23/constituinte-serra-votou-sempre-contra-os-trabalhadores-e-o-lobo-em-pele-de-cordeiro/


COMO SE COMPORTOU JOSÉ SERRA NA CONSTITUINTE
a) votou contra a redução da jornada de trabalho para 40 horas;

b) votou contra garantias ao trabalhador de estabilidade no emprego;
c) votou contra a implantação de Comissão de Fábrica nas indústrias;
d) votou contra o monopólio nacional da distribuição do petróleo;

e) negou seu voto pelo direito de greve;

f) negou seu voto pelo abono de férias de 1/3 do salário;

g) negou seu voto pelo aviso prévio proporcional;

h) negou seu voto pela estabilidade do dirigente sindical;

i) negou seu voto para garantir 30 dias de aviso prévio;

j) negou seu voto pela garantia do salário mínimo real;

Fonte: DIAP — “Quem foi quem na Constituinte”;pag. 621.

terça-feira, 4 de maio de 2010

As noves conquistas de Serra


1 - recorde histórico de obras irregulares que despencaram em SP torna Governo de SP mais eficiente do que muitos grupos terroristas:A linha 4 do metrô caiu 2 vezes, assim como o Rodoanel. Pessoas perderam casas, alguns morreram, carros foram destruídos...

2 - mais alto nível de violência já registrado em SP, e a menor transparência do Brasil .Os registros de assaltos, homicídios e etc. dispararam em SP. Para disfarçar, os dados não são mais divulgados. A política de segurança pública foi um fiasco inegável...
http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,numeros-da-criminalidade-nas-ruas-de-sp-que-a-secretaria-nao-divulga,540468,0.htm
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,espera-por-bo-leva-3-horas-na-maioria-das-dps-de-sp,442059,0.htm

3 - desvio de dinheiro da saúde para aplicações financeiras a ponto de faltarem remédios em diversas cidades, e privatização dos hospitais públicos de SP. Fracasso também na saúde...
http://producao.prsp.mpf.gov.br/tac/tac_pgweb_baixa_arquivo.php?term_id=5980

4 - briga da polícia civil com a polícia militar porque o governo congelou os salários dos primeiros durante quase 14 anos, o que fez com que o poder de compra dos salários caísse para menos da metade (talvez isso também tenha motivado o desastre em SP).

5 - alagamentos sem precedentes em SP, com bairros inteiros imersos durante semanas, mesmo depois de muitos dias sem chuva. Os motivos são vários: não houve desassoreamento do rio Tietê, as reservas da Sabesp foram privatizadas e mal administradas, não foram construídos os piscinões que há mais de 10 anos se sabia que eram necessários...

6 - conquistou o apoio da imprensa de SP, porém fez compras inexplicáveis e sem licitação - foram milhões de reais para a Editora Abril, fora as mais de 5 mil assinaturas dos jornais Folha e Estado de SP. A Veja realmente deve gostar dele...

Nota: os milhões de reais dados à Editora Abril referem-se à compra de material pedagógico produzido pela editora e assinaturas da revista "Nova Escola" para todas as escolas estaduais de São Paulo. Serra eliminou 5 horas/aula de humanas do currículo escolar para inserir uma matéria inventada chamada "Apoio Pedagógico", que consiste em simplesmente passar o conteúdo da apostila aos alunos. A compra desse material foi feita sem licitação, o que é proibido por lei. Isso pode ser confirmado com qualquer profesor de humanas do Estado e com a Apeoesp.
http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=639:contratacao-de-revistas-e-outros-materiais-sem-licitacao-e-pratica-recorrente-do-governo-de-sao-paulo&catid=73:controle-social&Itemid=107
http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/06/05/o-caso-nova-escola/

7 - quando Serra era prefeito em 2005 a cidade de São Paulo contratou com dinheiro público uma empresa esotérica para que videntes ajudassem a prever os problemas que a cidade enfrentaria. Trata-se da Fundação Cobra Coral - e do seu dinheiro, é claro.

8 - Serra é famoso por dizer que é o autor de coisas das quais sequer participou. A mais absurda foi a afirmação de que ele criou o seguro-desemprego, veiculada durante a campanha dele em 2002 para presidente (!?)

9 - Foi ministro do planejamento do Governo FHC, quando o Brasil foi à falência 3 vezes.

E a melhor promessa de sua campanha:

"Serra quer fim do Mercosul e promete desmontar legado de Lula"
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16543

PRIMEIRO DE MAIO

por Rafael Huguenin

É possível compreender certas características de um povo por meio da observação de suas comemorações populares. Ou seja, ao observarmos como a população se comporta em certas datas simbólicas específicas, podemos compreender certas traços essenciais de sua natureza e do seu estado de espírito em determinado momento. São significativas, neste sentido, as comemorações do dia primeiro de maio pelo mundo. Em alguns países, por um lado, esta data é marcada por protestos, marchas, reivindicações e confronto. Já em outros países, por outro lado, a data é comemorada com festas, shows de artistas populares e diversão.

Ainda que seja cada vez mais comum esvaziar o caráter simbólico de certas datas, reduzindo-as a meros feriados, nos quais, em meio ao lazer e à diversão, pouco se pensa no que as datas em questão se propõem a homenagear, faz-se necessário pensá-las com veemência. Ou seja, devemos relembrar o que as datas comemoram e utilizá-las como ponto de partida para uma reflexão. Sendo assim, no dia primeiro de maio, data na qual se comemora o dia do trabalhador, devemos empregar pelo menos alguns minutos de nosso dia de feriado na reflexão sobre aquilo a que este dia se consagra. Pois bem, por que se comemora o dia do trabalho em primeiro de maio?

A instituição do primeiro de maio como o “dia do trabalhador” remonta aos fatos que ocorreram ao longo dos primeiros dias de maio de 1886 na cidade de Chicago, nos EUA. Reunidos em manifestação, milhares de trabalhadores reivindicavam a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias. Dois anos antes, a FOTLU (Federation of Organized Trades and Labor Unions of United States and Canada), uma federação que congregava diversas organizações sindicais dos EUA e do Canadá, emitiu uma resolução que instituía o dia primeiro de maio de 1886 como uma data a partir da qual jornadas de trabalho acima de oito horas não seriam mais toleradasi. Quando esta data chegou, ocorreram comícios e protestos nas principais cidades norte americanas. O centro de todo este movimento era a cidade de Chicago, cidade a partir da qual se coordenava uma greve geral.

No dia três de maio, a polícia de Chicago reprimiu com violência exagerada uma manifestação pacífica dos trabalhadores ainda em greve, resultando na morte de seis trabalhadores e diversos feridos. Indignados com este ato, que reprimiu com bestialidade um movimento até então pacífico, os trabalhadores foram novamente às ruas no dia seguinte, dia quatro de maio. Concentrados na praça Haymarket, os manifestantes protestavam pacificamente quando a polícia decidiu dispersar a multidão. Os ânimos se exaltaram. O povo, revoltado, reagiu. E o caos tomou conta do lugarii. Uma bomba foi atirada em direção às forças de repressão, resultando na morte imediata de dois policiais. Cinco outros morreram depois, vários deles vítimas de balas disparadas por seus próprios companheiros. Doze trabalhadores foram mortos e diversos foram feridos. Este acontecimento tornou-se conhecido como a Revolta de Haymarketiii. Em 1889, a Segunda Internacional Socialista, em homenagem aos mártires de Chicago, declara o dia primeiro de maio como o dia internacional do trabalho, dia no qual serão feitas reivindicações e marchas de trabalhadores organizados.

No Brasil, até pouco antes do início da era de Getúlio Vargas (1930-1945), o movimento operário, incipiente no país ainda pouco industrializado, celebrava o primeiro de maio como uma data de protestos e reivindicações. Ao longo do governo de Getúlio Vargas, no entanto, sob a égide ideológica de seu trabalhismo, o dia primeiro de maio se transforma gradualmente em um dia destinado a comemorar não exatamente o trabalhador e sua luta, mas simplesmente o trabalho. Apesar de sutil, esta mudança altera significativamente o caráter e a postura assumida pelos trabalhadores no primeiro de maio. Se, antes, era um dia comemorado com passeatas, protestos, reivindicações e até mesmo confrontos, depois passou gradualmente a ser um dia comemorado com festas populares, shows de artistas famosos ou simplesmente com o puro ócio. Esta tendência prossegue ainda em nossos dias, conforme ilustram a celebrações realizadas nas principais capitais do país.

Temos hoje, felizmente, a liberdade ao menos de escolher o que vamos fazer em nossos feriados. Gozamos até mesmo da liberdade de não pensarmos naquilo que o feriado se propõe a homenagear. Mas não convém esquecer que, se hoje temos certas conquistas, como a jornada de trabalho de oito horas e até mesmo feriados, devemos isso a certas pessoas que abriram mão de suas individualidades e colocaram suas vidas em risco nas ruas, nas barricadas e nos confrontos com a repressão. Devemos honrar os que lutaram – e os que continuam lutando – para que hoje possamos gozar até mesmo da liberdade de ignorá-los. Por isso, ainda que no Brasil, hoje, ao contrário do que ocorre nas principais cidades do mundo, o dia do trabalhador seja comemorado sobretudo por meio da diversão, não devemos esquecer o exemplo dos trabalhadores de Chicago que, pelo menos naquele primeiro de maio, não foram às ruas para dançar, mas para lutar.

NOTAS

i)Ver, a esse respeito, o texto intitulado "How May Day Became a Workers' Holiday". The Guide to Life, The Universe and Everything. Eis o trecho desta resolução: "(It is) Resolved ... that eight hours shall constitute a legal day's labor from and after May 1, 1886, and that we recommend to labor organizations throughout this district that they so direct their laws so as to conform to this resolution by the time named."

ii)Esta frase faz uma referência a um verso da música Reprecaos da banda paulista Vírus 27, faixa da coletânea Ataque Sonoro, lançada em 1985. Aliás, seria interessante realizar um estudo sobre os aspectos políticos presentes na letras e atitudes das bandas punks de São Paulo no início da década de oitenta, comparando-as com as letras e atitudes de outras bandas e artistas do mesmo período histórico.

iii)O verbete em língua inglesa sobre a Revolta de Haymarket da Wikipédia é bem detalhado, possuindo diversas referências bibliográficas.


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Rafael Huguenin
http://www.rafaelhuguenin.com