terça-feira, 23 de junho de 2009

Histórias que nossas vovós não contaram...

Postado em Observatório da Imprensa

Sete anos e 45 viagens para um furo histórico
Postado por Luiz Weis em 22/6/2009 às 5:22:31 PM



Ao contar em poucas palavras como O Estado de S.Paulo conseguiu ter acesso aos documentos sobre a repressão à Guerrilha do Araguaia guardados durante 34 anos pelo major Sebastião Curió Rodrigues de Moura – que renderam na edição do domingo, 21, a revelação histórica de que o Exército executou não 25, como se pensava, mas 41 guerrilheiros presos –, o repórter Leonencio Nossa, o autor da proeza, relata que, nos últimos sete anos, a equipe do jornal “teve 45 encontros” com o militar.

Nestes tempos em que a vertigem da comunicação online é celebrada por incontáveis internautas como o fim de um modelo de jornalismo que já teria dado o que tinha de dar e como o advento de sua reinvenção, é bom parar para pensar na empreitada – e no que está por trás dela – que é o processo de informar.

Existem informações que estão ao alcance da vista de qualquer um e cabem nos proverbiais 140 caracteres de uma mensagem pelo Twitter. Às vezes, a sua importância – como na divulgação para o mundo das manifestações de massa no Irã pelos próprios manifestantes, driblando a censura do regime – pode ser nada menos do que tremenda.

Mas, sempre supondo que os gorjeios digam a verdade que não pode ser conferida por fontes independentes – o investimento na sua apuração e transmissão costuma ser mínimo. (O Twitter surgiu para que os que o usam dizerem simplesmente a quem interessar possa o que estão fazendo em dado momento.)

No caso do Irã, naturalmente, acrescente-se o custo incalculável da coragem dos que enfrentam e denunciam a repressão aos protestos contra a fraude nas eleições presidenciais da semana passada e, depois, contra o regime que a patrocinou.

Dito de outro modo: a profusão de meios de comunicação e interação social na rede mundial abre perspectivas que mal começam a ser vislumbradas e dá conta de conhecer e disseminar uma infinidade de fatos de importância amplamente variada. Mas por enquanto não serviu para propagar uma história cuja apuração tenha exigido o equivalente aos 45 encontros em sete anos que tornaram possível o furo superlativo do Estadão sobre o extermínio da guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1975. (A propósito, a reportagem também revelou que o movimento envolveu 78 insurgentes vindos de grandes cidades, 20 recrutados na região e 158 pessoas do local que lhe deram “apoio e simpatia”.)

Se nada nem remotamente comparável a isso apareceu na blogosfera e cercanias – YouTube, Facebook, Flickr, Picasa, Ning e outros tantos, além do baladíssimo Twitter – não é porque essas plataformas, como se diz, tenham limitações tecnicamente insanáveis. É verdade que a natureza de um meio de difusão de informações influi nas características das informações a serem difundidas. Mas o ponto que interessa aqui não é esse.

É a realidade de que as legiões de novos comunicadores individuais e seus parceiros não tem os recursos, nem a estrutura que lhes permita perseguir um assunto anos a fio.

Impresso ou na tela, o jornalismo de envergadura – esse que investiga, escava, organiza e dá sentido aos grandes acontecimentos na vida das sociedades e na história das nações – depende, como se depende de ar para respirar, de incomparavelmente mais do que a tecnologia lhes proporciona.

Depende de uma organização capaz de bancar operações jornalísticas de longo curso e desfecho incerto, além de adotar procedimentos que guiem a viagem e respaldem os seus resultados. Na história do jornalismo, contam-se nos dedos os grandes repórteres investigativos capazes de dispensar essa retaguarda e ainda assim entregar a sua mercadoria. Essa infra está fora do alcance do mais bem intencionado jornalista-cidadão com uma preocupação na cabeça e um laptop, ou um netbook, ou um celular na mão.

Ao passo que os novos meios podem facilitar enormemente a reportagem de grande calado – para não falar daquelas de linha, rotineiras.

O pessoal que fica em volta da guilhotina que deverá decepar a cabeça do difamado jornalismo convencional – descendentes metafóricos das tricoteiras da Praça da Revolução, em Paris, em pleno Terror – parece que se recusa a atinar com a coisa: a mão de obra infernal, o dinheiro, o tempo e o esquema de apoio sem os quais os sonhos de praticamente todo repórter que valha o seu sal viram espuma e sem os quais o público fica sabendo menos do que tem direito.

Invertendo a proposição e aproveitando ainda o exemplo do jornalista Leonencio Nossa, do Estado: já imaginaram se depois dos tais 45 encontros ao longo de sete anos o major Curió resolvesse definitivamente bater-lhe a porta na cara, ou, conforme o lugar-comum, se morresse “levando consigo para o túmulo os seus segredos”? Quem arcaria com o prejuízo?

Já se fala hoje em dia em iniciativas para substituir os donos da mídia em cacifar empreendimentos jornalísticos arrojados – o mecenato, fundações, ONGs, cooperativas…

Por exemplo, o Instituto Vladimir Herzog, que será inaugurado nesta quinta-feira em São Paulo [leia aqui] planeja financiar já a partir deste ano a realização de matérias pautadas por estudantes no âmbito do tema “Direito à Justiça e Direito à Vida”. Os escolhidos contarão ainda com jornalistas profissionais voluntários que os orientarão durante as reportagens.

Nada contra, muito antes etc. Mas iniciativas do gênero precisariam proliferar – e cobrir toda a gama de assuntos que compõem o cardápio de um jornal ou revista e todas as etapas da sua produção e edição – para que se possa começar a levar a sério a hipótese da desvinculação do jornalista das empresas jornalísticas.

Ainda se está a léguas disso.

Em suma, do ponto de vista do interesse público é um tiro no pé torcer para que a crise financeira que assombra o jornalismo impresso acabe com o negócio da informação. Por mais que o modelo tradicional da imprensa tenha o que se corrigir e se adaptar ao mundo mutante online, por mais que os periódicos mereçam levar no lombo – quando descuidam dos próprios padrões que garantiram a sua longevidade – nada ainda o substitui, e os substitui, como fonte das informações que de alguma forma mexem com o mundo.

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