Nos últimos dois ou três anos tornou-se evidente que a chamada "grande imprensa" passa por uma crise de legitimação sem precedentes, açulada pela disseminação cada vez maior da internet 2.0, que aumentou a interatividade e as possibilidades de circulação de conhecimento na rede.
No âmago de tal crise encontra-se um processo de reestruturação mercadológica de veículos tradicionais da mídia brasileira, notadamente a revista Veja – que assimilou práticas e posturas jornalísticas originadas no ambiente neocon norte-americano – e o jornal Folha de S.Paulo – que, com a saída de cena do publisher Octavio Frias de Oliveira e a ascensão de seus herdeiros, operou não apenas uma guinada à direita como a imersão em episódios eticamente inaceitáveis em um veículo de imprensa que se pretende pluralista.
Blogs vs. "grande imprensa"
Por sua vez, a crítica à imprensa tornou-se quase que uma atividade recreativa na internet brasileira, cuja virulência generalizante gerou até mesmo de uma sigla, tão mordaz quanto não distintiva, utilizada para caracterizar a mídia nativa: PIG (Partido da Imprensa Golpista), criada por um leitor do blog de Paulo Henrique Amorim, jornalista consagrado que aderiu ao novo esporte sem abrir mão de uma atuação mainstream numa TV sustentada pelo neopentecostalismo, em que repete várias das vicissitudes criticadas nas arenas virtuais – inclusive na sua.
Também não é sem mordacidade que se constata que sem a "grande mídia" a blogosfera perderia grande parte de seus temas – e de sua graça. Trata-se, é evidente, de um paradoxo – e de uma realidade que muitos blogueiros insistem em fingir não ver. Frise-se que a crítica à imprensa é não apenas bem-vinda, mas, neste momento mais do que nunca, necessária. Só que tem levado a um sentimento antimídia generalizado que produz distorções e equívocos que se perpetuam, como a constatação de que destruir a "grande mídia" é objetivo declarado de mais de um blogueiro.
Ao contrário do que muitos críticos virtuais insistem em afirmar de forma um tanto inconsequente – pois, como sói acontecer com alguma frequência nos setores mais jovens da blogosfera, sem conhecimento de causa – a "grande imprensa" nem sempre foi assim. O modus operandi da plutocracia midiática e de suas famiglias, é verdade, pouco mudou através dos tempos, mas o jornalista – este ente profissional hoje exterminado no Brasil por uma decisão infeliz da pior Alta Corte de nossa história – foi, ao menos até o fim dos anos 1980 e nos parcos limites de sua atuação vigiada, um dos principais agentes de resistência político-ideológica, no mais das vezes identificado com a necessidade de redemocratização do país, com as lutas sociais e como questionamento da aliança entre elite econômica e poder político.
Um dos motivos para tal é que um número considerável de jornalistas provinha da intelectualidade (muitos deles egressos do Partido Comunista, então com forte presença nas hostes culturais) em busca de sustento material, repaginados para consumo diário, como sugere o sociólogo Sergio Miceli em seu imprescindível estudo sobre os intelectuais no Brasil na primeira metade do século 20.
Ao invés de erguer como bandeira a destruição da mídia, como tantos o fazem, talvez fosse mais proveitoso buscarmos sair dessa falsa dicotomia representada pelos dois estereótipos de jornalistas – propositadamente caricaturais e carregados – e conquistar meios efetivos de criar um novo modelo de jornalismo – que aproveite tanto os talentos jornalísticos abundantes na blogosfera quanto aqueles que aguardam nas filas de emprego das corporações do ramo.
É precisamente em relação a tal horizonte que o manifesto de Leandro Fortes é alçado à sua dimensão maior, na proposição de um novo jornalismo, profissional, remunerado, livre das idiossincrasias e do amadorismo (financeiro) da blogosfera – mas honesto, bem-intencionado, encerrado na predição de que "é possível ser jornalista e trabalhar em qualquer lugar sem se submeter ao mau-caratismo. Arriscado, mas possível".
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