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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Concordata Brasil-Santa Sé: uma afronta ao Estado laico?
Marina Lins
A Igreja Católica reafirma o seu poder. A concordata que cria o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo papa Bento XVI em 2008, acaba de ser aprovada na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. Uma das questões previstas pelo acordo é a adoção do ensino religioso – católico e de outras confissões, segundo o texto – nas escolas públicas do país.
A concordata ainda precisa passar pelas comissões de Trabalho, Administração e Serviço Público, de Educação e Cultura, de Constituição e Justiça e de Cidadania, além de ser votada em plenário antes de entrar em prática. Mesmo acusada de contrariar o princípio da laicidade do Estado, definido pela Constituição brasileira, tudo indica que ela será aprovada o mais rápido possível.
Além de instituir o ensino religioso nas escolas públicas, o acordo também propõe a adoção de regras para assuntos como casamento, imunidade tributária para as entidades eclesiásticas, prestação de assistência espiritual em presídios e hospitais, garantia do sigilo de ofício dos sacerdotes e visto para estrangeiros que venham ao Brasil realizar atividade pastoral.
Responsável pela redação do parecer favorável, o deputado Bonifácio de Andrada (PSDM-MG) alega que o documento não fere a Constituição e ainda estimula o ecumenismo. Contudo, essa afirmação vem gerando controvérsias. Entidades que lutam pela qualidade e universalização do ensino público, como a Ação Educativa, e que defendem os direitos das mulheres e dos homossexuais acreditam que os princípios da Igreja Católica serão impostos nas salas de aula, gerando retrocesso em algumas conquistas desses grupos.
Este ponto de vista é compartilhado por Luiz Antônio Cunha, professor da UFRJ e coordenador do Observatório da Laicidade do Estado (OLE). Entrevistado pelo Olhar Virtual pouco antes de mediar a mesa-redonda “A Concordata Brasil-Santa Sé: Política, Direito e Religião”, o professor alegou que a concordata é um retrocesso no processo de formação do Estado laico. Além disso, afirmou que os interesses da Igreja Católica prevalecerão sobre os das demais instituições religiosas e que a Lei Geral das Religiões é um simulacro da Concordata feito por deputados evangélicos.
Olhar Virtual: Quais são as consequências da Concordata Brasil-Santa Sé para o Estado laico?
Luiz Antônio Cunha: A concordata é um meio de retrocesso na construção do Estado laico no Brasil. Isso porque o Estado laico é um processo, e não uma situação do tipo tem ou não tem. É um processo como a democracia, é uma construção histórica. E por que essa concordata é um retrocesso? Porque é uma volta atrás à conquista que nós já tínhamos no Brasil, que é o Estado não se envolver com os conflitos do campo religioso. E essa concordata exatamente significou o envolvimento do Estado de uma maneira muito interessada nos conflitos religiosos, na medida em que ele assumiu pretensões hegemônicas da Igreja Católica.
Olhar Virtual: Por que o governo brasileiro decidiu assinar a concordata? Quais foram seus interesses?
Luiz Antônio Cunha: O governo brasileiro foi levado a atender esses interesses devido a grandes pressões exercidas pelo papa Bento XVI e especialmente por um cardeal brasileiro que faz parte da “entourage” mais próxima do papa, o cardeal Hummes. Ele é o prefeito da Sagrada Congregação para o clero, uma pessoa bem colocada na estrutura de poder do Vaticano. Exerceram uma grande pressão sobre o presidente da República e sobre o ministério.
Olhar Virtual: Quais foram os interesses da Igreja Católica ao assinar a concordata?
Luiz Antônio Cunha: Eu acredito que seja principalmente uma demonstração de força dentro do campo religioso. No momento, as igrejas evangélicas estão aumentando muito rapidamente o seu número de adeptos e crescendo bastante, principalmente nas áreas metropolitanas, nas áreas de expansão econômica. Correlativamente, os adeptos do catolicismo estão diminuindo. Então, numa situação dessas, a Igreja Católica resolveu fazer uma grande demonstração de força. O fato de levar o governo brasileiro a assinar o acordo dessa forma foi uma expressão dessa força.
Olhar Virtual: Alguns alegam que a concordata é ecumênica? É verdade?
Luiz Antônio Cunha: Essa afirmação é falsa. Nesse tratado só aparecem os interesses da Igreja Católica, não existe nenhuma referência a um interesse do governo brasileiro, e toda a instituição religiosa aí nomeada é a Igreja Católica. Então essa afirmação que a concordata é ecumênica é totalmente falsa. Por exemplo, no que diz respeito ao artigo 11, que trata do ensino religioso nas escolas públicas, o que aparece é “o ensino religioso católico e de outras confissões”. É muito claramente direcionado aos interesses da Igreja Católica, como, aliás, toda concordata em qualquer país do mundo.
Olhar Virtual: A Lei Geral das Religiões pode ser considerada uma resposta de outras instituições religiosas?
Luiz Antônio Cunha: A Lei Geral das Religiões é um simulacro da concordata, foi uma tentativa de alguns setores evangélicos do Congresso de fazer uma espécie de compensação. “Já que a Igreja Católica está conseguindo essa demonstração de força, vamos fazer uma outra, de modo que, em contrapartida, a gente consiga mostrar que temos tanta força quanto ela.” É o mesmo texto da concordata substituindo a expressão “Igreja Católica” por “Instituições Religiosas”. Na realidade, as instituições evangélicas levaram um trote porque o Congresso Nacional aprovou por decreto legislativo a concordata e o presidente da República não pode vetar um decreto legislativo, só pode endossar ou homologar. A tal Lei Geral das Religiões é um projeto de lei ordinário e está no Congresso por tempo indeterminado, até pode sofrer vetos por este ou pelo próximo presidente da República, não sabemos.
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