O Carisma Religioso e os Interesses Pagãos da Igreja Católica
Lambido do Blog do Professor Fernando Massote
O carisma religioso com que se cobre a Igreja Católica serve, também, no plano mais político, para despistar o público das manobras da mesma para assegurar seus interesses nada transcendentais ou muito temporais. Vale, a propósito, lembrar a admoestação de Napoleão Bonaparte, segundo a qual “o Papa é um bruxo”. Quase como se recebesse muito apoio popular para representar interesses do diabo…
É importante chamar a atenção para o fato que a Igreja, à diferença do que crêem os seus fiéis, é menos uma emanação dos céus do que o resultado de interesses e articulações muito terrenas… Ela está sempre, bi-milenarmente, atenta ao trabalho de conquista e defesa de suas regalias profanas. Não há como duvidar que a realidade e a atuação da Igreja Católica preencham, com efeito, todos os requisitos que fazem dela um grande partido político interclassista e internacional. Ela tem, para isso, base popular, quadros intermediários, pessoal dirigente preparado e diversificado de primeiro escalão. Uma parte do prelado, dos mais baixos escalões até os mais elevados, representado pelos bispos e cardeais, perpassado por concepções tradicionalistas, se alinha com os grandes interesses estabelecidos da sociedade civil. São os setores conservadores, centristas e direitistas do clero. A outra parte, integrada pelos setores considerados, jornalisticamente, como “progressistas”, se alinha com a gama mais heterogênea dos interesses mais populares da sociedade civil. Esta última é a chamada “esquerda” ou, num vocábulo mais especializado, a ala “modernista” da Igreja.
A ala diretista, classicamente chamada de “integrista”, tradicionalmente posicionada a favor dos interesses dominantes ou mais ricos da sociedade civil, estabelece, dentro da Igreja, uma renhida disputa com a outra, sua antagonista. As duas compõem, não sem conflitos, seus interesses numa “instância” politicamente sintetizadora que o vocabulário mais analítico chama de “jesuítica”. Disciplinadas e enquadradas “jesuiticamente”, ou seja, sempre pelo alto, no interesse da Instituição, a ação das duas alas concorre para o sucesso da pressão que a Instituição católica exerce sobre o poder político “temporal”, em defesa de suas regalias. Desencadeadas uma contra a outra dividem a Igreja e a ameaçam com os cismas. Esta disputa pode chegar a fases extremamente críticas corporificadas nos cismas que já dividiram muitas vezes a Igreja Católica no decurso da chamada “modernidade”, de l492 até a atualidade.
Se os setores mais direitistas ou “integristas” do clero cedem demasiado aos interesses dominantes, a ala progressista ou “modernista”, lesada nos interesses que representa, se opõe e pode mesmo chegar ao cisma. Se, vice-versa, a ala mais progressista ceder “demasiado” (para o “paladar” da ala antagonista) aos interesses “dominados” ou populares, a ala conservadora se opõe e pode também chegar a adotar posturas “cismáticas” como ocorreu, durante os pontificados de Paulo VI e seus sucessores, no caso do bispo suíço Marcel Lefrebve, que se opunha às reformas do Concílio Vaticano II (l961-66). Aos “jesuitas”, considerados como instância moderadora orgânica da Igreja, compete assimilar os contrastes de forma a evitar a explosão da unidade eclesial ou divisão cismática.
Se estes fatos fossem observados mais seriamente, a atenção do público, no nosso país, estimulada pela imprensa falada, escrita e televisionada, estaria centrada no novo acordo entre o Estado e a Igreja que está sendo preparado há tempos e está programado para ser assinado no Brasil na semana que vem.
Não cabe ao nosso blog a tarefa “jesuitica” desempenhada, no Brasil, pela grande imprensa, que em defesa de políticas conciliatórias, censura os posicionamentos mais enérgicos, como ocorre hoje no Senado em torno do caso do coronel José Sarney.
A simples referência a alguns dos itens do documento a ser assinado pela Igreja e o Estado brasileiro bastaria para indicar a natureza dos interesses envolvendo a instituição “religiosa” Igreja Católica: o efeito civil do casamento só religioso ou a validade civil do ato religioso, a possibilidade de dar, na escola, ao aluno, o direito de escolher o que estudar na disciplina da religião e finalmente um elemento crucial para a sobrevivência civil e financeira mais imediata da Igreja que é o que estabelece ou não um vínculo trabalhista entre os padres e irmãs de caridade com as dioceses. Isto porque em vários países, padres e irmãs de caridade entraram na justiça para obter direitos trabalhistas da Igreja: salários, aposentadoria, indenização, etc.
Muitas demandas da Igreja, expressas nas cláusulas do documento a ser assinado, ferem o ideário e a natureza republicana do Estado no Brasil. Ela busca, com o documento, estabilizar e/ou institucionalizar seus interesses tradicionais e mais novos na sociedade brasileira. Alguns exemplos: seu reconhecimento como instituição da sociedade civil nacional como organização que disputa o “público” religioso. Ela busca as regalias que a privilegiam nesta disputa: a validade civil do casamento religioso, a sua presença na disputa do “eleitorado” estudantil para o seu credo nas escolas e o bloqueio, via acordo com o Estado, das reclamações trabalhistas de padres e irmãs de caridade que querem se aposentar, exigir indenizações… Esta foi, aliás, uma das exigências mais propaladas durante a última e recente visita do Papa aos Estados Unidos.
Ceder a estas exigências da Igreja e chegar mesmo a proteger o patrão contra o empregado é coerente com o ideário e as instituições laicas, republicanas e democráticas, universalizantes, do Estado brasileiro?
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