quinta-feira, 22 de abril de 2010


A manipulação midiática contra Havana é clara – mas a necessidade de mudanças na ilha, também. Dois caminhos parecem em debate: a “eficiência” autoritária do projeto chinês e uma integração mais ampla com a América Latina em mudança


Em “Cuba, Israel e a dupla moral”, artigo provocador publicado hoje no site Opera Mundi, o jornalista Breno Altman fustiga a hipocrisia da mídia comercial brasileira em relação a Cuba. Os mesmos jornais e tevês que cobram do governo Lula uma condenação do regime cubano, lembra Altman, escondem o desrespeito sistemático aos direitos humanos em Israel – onde há cerca de 11 mil presos políticos e a tortura é admitida por decisão da Corte Suprema...

Mas denunciar a manipulação não deveria levar os que admiram a independência de Cuba a menosprezar as dificuldades da ilha – nem a pensar que a trajetória seguida nos últimos cinquenta anos pode continuar a ser trilhada sem mudanças. Alguns artigos recentes, publicados em Le Monde Diplomatique, ajudam a debater problemas e alternativas.

Escrito em 2007, pouco após a substituição de Fidel por Raúl Castro, “Encruzilhada em Havana, de Pablo Stefanoni, reporta que, àquela altura, o pior da crise que se seguiu ao fim do “campo socialista” havia passado. Já não se sofria com "apagões" diários; as lojas ofereciam algum sortimento de eletrodomésticos; o petróleo oferecido pela Venezuela, em regime de escambo, completava a produção interna (equivalente a 50% do consumo), sem exigir o pagamento de divisas.

Ainda assim havia, além enorme ineficiência econômica, graves problemas sociais e políticos. Frequentemente ouvida nas ruas, a frase “o governo finge que nos paga e nós fingimos que trabalhamos” expressava o desencanto com um sistema de produção que não havia superado o dirigismo estatal. A existência de um duplo sistema de moedas (pesos desvalorizados para as maiorias, dólares para os setores em contato direto com turistas) mantinha e ampliava as desigualdades. O poder resistia a tentativas de uma democratização ampla, o que produzia episódios como a “revolução dos emails”.

À mesma época, Carlos Gabetta, diretor da edição argentina do Le Monde Diplomatique, discutia, em “Cuba, hora de mudanças”, as alternativas. Ele frisava, primeiro, um dado positivo: os dirigentes e intelectuais cubanos têm plena consciência dos três graves problemas que marcaram o “socialismo real” e foram herdados pela formação contemporânea de seu país: o regime de partido único, a ausência de pluralismo de opinião verdadeiro e a centralização completa da economia, nas mãos do Estado e do partido comunista. Por isso (e ao contrário do que ocorreu no Leste Europeu), há, pensa Gabetta, a possibilidade de uma transição que não signifique mero retorno ao capitalismo.

Esta opção prevalecerá? Quem aborda o tema é Stefanoni – e ele tem dúvidas. Segundo suas observações, os dirigentes cubanos, de quem dependerá em boa parte a resposta, dividem-se entre duas posições. A primeira equivale a algo como uma “saída à chinesa”: mais liberdade econômica, forte estímulo às empresas privadas mas... manutenção do controle rígido do partido comunista sobre o poder. A segunda, cuja força estaria crescento especialmente entre setores não diretamente ligados ao Estado, seria uma tentativa de aproximação com as experiências políticas em curso na América Latina. Nesta hipótese, a transição – certamente difícil e arriscada – significaria deixar para trás o modelo de partido único, abrir-se a uma ampla democratização e estimular o surgimento de uma sociedade civil crítica e forte. Mas não equivaleria a reforçar as relações capitalistas (Antonio Martins).

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