Nos últimos dois ou três anos tornou-se evidente que a chamada "grande imprensa" passa por uma crise de legitimação sem precedentes, açulada pela disseminação cada vez maior da internet 2.0, que aumentou a interatividade e as possibilidades de circulação de conhecimento na rede.
No âmago de tal crise encontra-se um processo de reestruturação mercadológica de veículos tradicionais da mídia brasileira, notadamente a revista Veja – que assimilou práticas e posturas jornalísticas originadas no ambiente neocon norte-americano – e o jornal Folha de S.Paulo – que, com a saída de cena do publisher Octavio Frias de Oliveira e a ascensão de seus herdeiros, operou não apenas uma guinada à direita como a imersão em episódios eticamente inaceitáveis em um veículo de imprensa que se pretende pluralista.
Blogs vs. "grande imprensa"
Por sua vez, a crítica à imprensa tornou-se quase que uma atividade recreativa na internet brasileira, cuja virulência generalizante gerou até mesmo de uma sigla, tão mordaz quanto não distintiva, utilizada para caracterizar a mídia nativa: PIG (Partido da Imprensa Golpista), criada por um leitor do blog de Paulo Henrique Amorim, jornalista consagrado que aderiu ao novo esporte sem abrir mão de uma atuação mainstream numa TV sustentada pelo neopentecostalismo, em que repete várias das vicissitudes criticadas nas arenas virtuais – inclusive na sua.
Também não é sem mordacidade que se constata que sem a "grande mídia" a blogosfera perderia grande parte de seus temas – e de sua graça. Trata-se, é evidente, de um paradoxo – e de uma realidade que muitos blogueiros insistem em fingir não ver. Frise-se que a crítica à imprensa é não apenas bem-vinda, mas, neste momento mais do que nunca, necessária. Só que tem levado a um sentimento antimídia generalizado que produz distorções e equívocos que se perpetuam, como a constatação de que destruir a "grande mídia" é objetivo declarado de mais de um blogueiro.
Ao contrário do que muitos críticos virtuais insistem em afirmar de forma um tanto inconsequente – pois, como sói acontecer com alguma frequência nos setores mais jovens da blogosfera, sem conhecimento de causa – a "grande imprensa" nem sempre foi assim. O modus operandi da plutocracia midiática e de suas famiglias, é verdade, pouco mudou através dos tempos, mas o jornalista – este ente profissional hoje exterminado no Brasil por uma decisão infeliz da pior Alta Corte de nossa história – foi, ao menos até o fim dos anos 1980 e nos parcos limites de sua atuação vigiada, um dos principais agentes de resistência político-ideológica, no mais das vezes identificado com a necessidade de redemocratização do país, com as lutas sociais e como questionamento da aliança entre elite econômica e poder político.
Um dos motivos para tal é que um número considerável de jornalistas provinha da intelectualidade (muitos deles egressos do Partido Comunista, então com forte presença nas hostes culturais) em busca de sustento material, repaginados para consumo diário, como sugere o sociólogo Sergio Miceli em seu imprescindível estudo sobre os intelectuais no Brasil na primeira metade do século 20.
Ao invés de erguer como bandeira a destruição da mídia, como tantos o fazem, talvez fosse mais proveitoso buscarmos sair dessa falsa dicotomia representada pelos dois estereótipos de jornalistas – propositadamente caricaturais e carregados – e conquistar meios efetivos de criar um novo modelo de jornalismo – que aproveite tanto os talentos jornalísticos abundantes na blogosfera quanto aqueles que aguardam nas filas de emprego das corporações do ramo.
É precisamente em relação a tal horizonte que o manifesto de Leandro Fortes é alçado à sua dimensão maior, na proposição de um novo jornalismo, profissional, remunerado, livre das idiossincrasias e do amadorismo (financeiro) da blogosfera – mas honesto, bem-intencionado, encerrado na predição de que "é possível ser jornalista e trabalhar em qualquer lugar sem se submeter ao mau-caratismo. Arriscado, mas possível".
Informações, curiosidades, comentários, pontos-de vista... Este é o nosso blog, vamos fazer ouvir a voz da minoria que não se resigna; a "minoria" ruidosa!
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
Aprendendo a lidar com a liberdade na rede


Por Leticia Nunes, de Nova York em 9/9/2009
A internet abriu as portas e janelas da comunicação global, facilitou o contato entre pessoas separadas por fronteiras e oceanos, permitiu que qualquer um com um computador e uma conexão pudesse expressar suas opiniões. A contrapartida é que qualquer um com um computador e uma conexão pode discordar das opiniões dos outros e expressar suas próprias, sem precisar mostrar a cara. Faz parte do jogo. Sites que permitem comentários passaram a ter de lidar com os exageros e as exaltações dos leitores.
O curioso é quando alguém diz o que quer e ouve o que não quer. Na vida real, é fácil desligar o telefone, fechar a porta de casa, tapar os ouvidos. Na rede, fica tudo gravado para todo mundo ver e também dar o seu pitaco. E os pitacos costumam crescer como bolas de neve. Quando a apresentadora Xuxa se irritou, dias atrás, com internautas que debocharam de um erro de português de sua filha no Twitter, disse que eles não mereciam o contato com ela. Encastelada há tantos anos, a "rainha dos baixinhos" entrou de gaiata no fantástico reino das redes sociais onde, com um login e uma senha, todos são iguais.
Basta
Mais curioso ainda é quando isso acontece com alguém já acostumado ao ambiente online. E que fique claro que não defendo a falta de educação, os insultos e ofensas na rede. Internautas que se protegem atrás de seus computadores para passar dos limites do bom convívio social são pessoas covardes na vida real. Mas o que aconteceu com a jornalista americana Sarah Lacy na semana passada exemplifica bem a dinâmica do diálogo na internet. Sarah escreveu o que queria em um momento de irritação, e ouviu críticas e mais críticas. Até que as críticas viraram insultos e os insultos chegaram ao blog de seu marido (que não tinha nada a ver com a história), no que ela viu como o momento de dar um basta.
Sarah escreve sobre tecnologia para o site TechCrunch, tem um blog e é autora de um livro sobre o Vale do Silício. Desde o início de setembro, ela virou também objeto de ódio de internautas brasileiros. A história começou com o planejamento de uma viagem para o Brasil. A visita ao país fazia parte de uma série de viagens para a preparação de um livro sobre companhias empreendedoras em mercados emergentes.
Em um artigo no TechCrunch, Sarah conta que estava tão empolgada com a ida ao Brasil, marcada para este mês, que passou quatro meses aprendendo o português. Mas o zelo não foi tanto na hora de tirar o visto para entrar no país. Ela diz que seu visto deveria sair um dia antes da data marcada para a viagem. Por um desses azares da vida, o governo brasileiro havia decidido, na mesma época da viagem de Sarah, trocar o sistema dos computadores, o que causou problemas e atrasou a emissão de vistos. Sim, essas coisas costumam dar raiva, nos sentimos perseguidos, perguntamos por que tinha que acontecer justamente conosco.
Irritação
Sarah gastou mais de mil dólares para reorganizar seus planos e teve de desmarcar entrevistas e encontros. Tudo muito frustrante. A irritação da jornalista era compreensível. O problema foi quando ela resolveu expressar sua irritação na internet. No artigo no TechCrunch publicado em 3/9, em que conta por que não iria mais ao Brasil, Sarah destilou todo o seu ódio. Chamou o país de "maldito", citou a violência e os seqüestros e pichou a bandeira brasileira. Mesmo assim, ela diz que ainda espera viajar ao Brasil no fim do ano.
Os brasileiros não gostaram e lotaram o texto de Sarah com comentários. Alguns educados, outros nem tanto. Muitos internautas culparam a jornalista por não ter tirado o visto com mais antecedência. Outros lembraram que tirar o visto americano também não é nenhum mar de rosas. Sarah foi chamada de arrogante e egoísta. Diversos blogs repercutiram a polêmica.
Em post publicado em seu blog no domingo [6/9], Sarah conta que as pessoas ficaram "loucas" com a história, entrando até no blog de seu marido para insultá-la. "Já fui atacada em Austin, Israel, China e África por coisas aparentemente inofensivas que fiz ou escrevi, mas ninguém nunca tinha ido atrás do meu marido. Agora ele está com raiva e preocupado por minha segurança, e tenta me convencer a não viajar mais para o Brasil, a cortar o país do livro de vez", diz a jornalista. Por "motivos óbvios", afirma ela, seu último post sobre o assunto não permitia comentários de leitores. Quem quisesse falar alguma coisa, que tivesse cojones e lhe mandasse um e-mail.
Malandro demais se enrola...

Uma professora universitária estava acabando de dar as últimas orientações para os alunos acerca da prova final que ocorreria no dia seguinte.
Finalizou alertando que não haveria desculpas para a falta de nenhum aluno, com exceção de um grave ferimento, doença ou a morte de algum parente próximo.
Um engraçadinho que sentava no fundo da classe, perguntou com aquele velho ar de cinismo:
- Dentre esses motivos justificados, podemos incluir o de extremo cansaço por atividade sexual??
A classe explodiu em gargalhadas, com a professora aguardando pacientemente que o silêncio fosse restabelecido.
Tão logo isso ocorreu, ela olhou para o palhaço e respondeu:
- Isto não é um motivo justificado. Como a prova será em forma de múltipla escolha, você pode vir para a classe e escrever com a outra mão...
ou...,
se não puder sentar-se, pode respondê-la em pé.
terça-feira, 8 de setembro de 2009
ORGULHO LGBT

Parada do Orgulho LGBT-Rio tem nova data
Grupo Arco-Íris
transfere a passeata para dia 1º de novembro e divulga
agenda de eventos
Devido à ampla
agenda de atividades culturais, sociais, políticas e
acadêmicas que farão parte da programação oficial da
14ª Parada do Orgulho LGBT-Rio, o Grupo Arco-Íris de
Cidadania LGBT adia a manifestação que se dará na orla de
Copacabana. Além disso, tendo como base o alto índice do
contágio no Rio de Janeiro da gripe A (H1N1) e este evento
de grande dimensão - que no ano passado reuniu 1,5 milhões
de participantes - aglomerar pessoas oriundas de diversas
localidades, o Grupo resolveu como medida preventiva,
transferir o evento. Fontes governamentais informam que
ainda existe uma possibilidade de um pico do surto da gripe
na segunda quinzena de setembro, podendo se arrastar ainda
na primeira quinzena de outubro. A nova data é dia 1º de novembro (domingo),
véspera de feriado, período que os fluminenses e os
turistas poderão aproveitar os points da Cidade
Maravilhosa.
“O Grupo
Arco-Íris tem como missão contribuir para a melhoria da
qualidade de vida da população e isso implica que nós
não podemos ficar omissos diante de um grave problema de
saúde coletiva, visto nossa trajetória de ações
preventivas em DST e HIV/AIDS”, afirma a presidente do
Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBT, Gilza Rodrigues. A
presidente ainda completa: “A parada vai ser linda. Este
ano temos muitas surpresas! O cenário político do Rio de
Janeiro auxilia na produção de nosso evento. Pela primeira
vez, teremos a participação das três esferas
governamentais de maneira bastante proativa: prefeitura,
governo estadual e federal. Isto porque teremos atividades
acontecendo em espaços culturais da cidade, administrados
por órgãos do poder público como os Teatros João
Caetano, Gláucio Gill, Carlos Gomes e Sérgio Porto; e
outros equipamentos culturais, como: Terreirão do Samba;
Centro de Artes Calouste Gulbenkian; Sala Baden Powell;
entre outros”.
O coordenador geral da 14ª Parada do Orgulho LGBT-Rio, Cláudio
Nascimento, informa sobre a nova identidade visual da
campanha publicitária da 14ª Parada do Orgulho LGBT-Rio,
que utilizará um layout mais solar e colorido, sem perder o
seu sentido de reivindicação e luta pelos direitos LGBT.
“A homofobia é uma dura realidade em nosso país.
Continuaremos com a Campanha Não Homofobia, através da
coleta de assinaturas virtuais para cobrar a
criminalização da homofobia pelo Senado Federal.
Entretanto, utilizaremos outra estratégia: mostraremos o
futuro que queremos alcançar. A campanha publicitária
desse ano tem como slogan: eu tenho o direito de viver e
amar livremente. Diga não a homofobia. Uma forte
mensagem para convocar e transformar corações e mentes”.
A campanha publicitária foi idealizada pelo publicitário
Bruno Bertani, da Indústria Nacional
Design.
A 14ª Parada do
Orgulho LGBT-Rio conta com o patrocínio do Governo Federal,
através da Petrobrás; do Governo do Estado do Rio de
Janeiro, através das Secretarias Estaduais de Assistência
Social e Direitos Humanos, Cultura, Turismo, Esporte e
Lazer; Saúde e Defesa Civil; da Prefeitura Municipal do Rio
de Janeiro, através das Secretarias Municipais de Turismo,
Esporte e Lazer, Cultura; Assistência Social e Saúde; e
pela iniciativa privada possui o apoio da Vale. Ainda
conta com o apoio dos órgãos de controle urbano,
acautelamento de menores, limpeza, defesa civil e segurança
pública.
Informações
para a imprensa:
Márcia Vilella
Diego Cotta
Target
Assessoria de Comunicação
Telefone: 21
8158 9692 | 8158 9715 | 2284 2475
target@target.inf.br |
www.target.inf.br
PROGRAMAÇÃO
OFICIAL DA 14ª PARADA DO ORGULHO LGBT – RIO
2009
Data: 5 de outubro, às
19h
Local: Teatro
Carlos Gomes - Centro
Show de abertura
da Programação Oficial da 14ª. Parada do Orgulho LGBT-Rio
2009
Data: 5 de outubro a 5 de
novembro
Local: Galeria
do Centro Cultural Sergio Porto - Humaitá
Exposição:
“Nossa história, nossa força, nossa voz: 14 anos de
Parada do Orgulho LGBT-Rio”
Data: 9 e 10 de outubro, das
14h às 22h
Local:
Castelinho do Flamengo e outros locais a
confirmar.
Mostra de Filmes
Metáforas da Diversidade
Data: 9 de outubro, a partir de
23h30
Local: Cine
Ideal - Centro
Pride Ideal
Nacional com o DJ Edson Pride e a cantora Joe
Welsh
Data 11 de outubro, a partir de
23h30
Local: Cine
Ideal - Centro
Cine Ideal com
orgulho, com DJs Dupla Altar
Data: 14, 21 e 28 de outubro,
às 19h
Local: Sala Cecília Meirelles – Auditório Guiomar Novaes -
Lapa
Encontro de
Voluntários da Parada e de sua
programação
Data: de 22 a 25 de outubro,
às 19h
Local: Teatro
Gláucio Gil - Copacabana
Semana
Auto-Retratos – espetáculos e shows de resgate da cultura transformista do Rio
Data: 26 a 30 de outubro, das
15h às 22h
Local:
Castelinho do Flamengo e outros locais a
confirmar
Ciclo Arco-Íris
Pensando a Cidadania LGBT
Seminário
Estadual AIDS e Saúde LGBT
Data: 27 e 28 de outubro, às
19h
Local: Sala
Baden Powell - Copacabana
Vozes da
Diversidade – show musical com cantores e cantoras
LGBT
Data: 29 de outubro, às
21h
Local: Cine
Ideal - Centro
Festa Oficial de
Celebração da 14ª Parada do Orgulho LGBT Rio – 2009
(com a
Premiação das Cantoras Lésbicas da cena LGBT e
Lançamento da Quinta Lés)
Data: 30 de outubro, às
20h
Local: Teatro
João Caetano - Centro 8º Prêmio
Arco-Íris de Direitos Humanos
Data: 31 de outubro, das 10h às 22h
Local:
Terreirão do Samba e Centro de Artes Calouste Gulbenkian -
Centro (à confirmar) Feira Arco-Íris
de Cultura LGBT
Lesbifest –
Festival de Cultura e Diversidade entre lésbicas e mulheres
bissexuais
Data: 31 de outubro, às
22h
Local: Boate
1140 – Praça Seca - Jacarepaguá
Festa
Pré-Parada
Data: 1 de novembro, das 09h
às 18h
Local: Praia de
Copacabana, Posto 6 - Copacabana
Ação Orgulho,
Cidadania e Direitos Humanos (tendas de serviços e
informações para a população em geral)
Data: 1 de novembro, às
13h
Local: Praia de
Copacabana, Posto 6 - Copacabana
14ª Parada do
Orgulho LGBT-Rio 2009
Data: 1 de novembro, às 22h
Local: Le Boy -
Copacabana
Festa de
Encerramento da 14ª Parada do Orgulho LGBT – Rio
2009
Marcadores:
Brasil,
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humor,
informação,
liberdade,
livre-arbítrio,
paz,
revolução,
sexualidade
'Barebacking' cresce no Brasil e torna-se caso de saúde pública

'Barebacking' cresce no Brasil e torna-se caso de saúde pública
Vagner Fernandes, Jornal do Brasil
RIO - “Procuram-se HIVs”. Impresso em um caderno de classificados dos jornais das grandes metrópoles, o anúncio não passaria despercebido. Do ponto de vista conceitual, HIV é uma sigla que desperta interesse e hostilidade, fascínio e medo, compaixão e ódio.
Estigmatizada até então como o acrônimo da morte, ela vem ganhando novos contornos etimológicos devido a um grupo de homens que praticam sexo com homens (os HSH), absolutamente crentes na teoria de que o vírus da Aids, se contraído numa relação sexual, pode trazer benefícios para seu cotidiano, libertando-o, de uma vez por todas, do uso do preservativo, aumentando o prazer, proporcionado uma liberdade só experimentada no auge da revolução sexual, na década de 70.
A teoria foi posta em prática. E tem nome: "barebacking" (derivado da palavra barebackers, usada em rodeios para designar os caubóis que montam a cavalo sem sela ou a pêlo).
O termo ficou conhecido internacionalmente como uma gíria para o sexo sem camisinha, praticado de preferência em grupo, em festas fechadas, por homens sorodiscordantes (HIVs positivos e negativos).
“Coisa de macho”, garantem os adeptos. O movimento cresce no Brasil, de forma assustadora, e tornou-se uma questão de saúde pública e motivo de preocupação social.
O Jornal do Brasil teve passe livre em dois desses encontros, batizados de bare party (festa bare).
É a primeira vez que um veículo de comunicação ingressa em reuniões nas quais o leitmotiv, ou fetiche, é praticar sexo com pessoas desconhecidas, que possam, acima de tudo, ser soropositivas. Às cegas, todos são guiados apenas pelo que sentem. E, para facilitar a comunicação, criaram um vocabulário próprio.
Festa da conversão
As orgias são chamadas de conversion parties ou roleta-russa. Entre os convidados, há os bug chasers (caçadores de vírus), o HIV negativo, que se lança ao sexo sem camisinha, e os gift givers (presenteadores), os soropositivos que se dispõem a contaminar um negativo.
São esses os responsáveis por entregar o gift (presente), o vírus. Quem participa de encontros bare confirma: o prazer sem barreiras é o que importa. Quanto à Aids, eles não encaram mais a doença como mortal, porém crônica, com tratamento à base do coquetel.
A contaminação, portanto, elimina o medo e apresenta uma perspectiva futura da naturalidade do contato pleno.
– Sou um barebacker assumido – dispara R. H., 31 anos, geógrafo e cientista social, com pós-graduação nas duas áreas.
– Eu odeio camisinha. Acho uma m... É terrível interromper o sexo para colocá-la. Acaba com o meu prazer. No mais, o bare, para mim, é um fetiche. Eu gosto, apesar de ter contraído o vírus da Aids numa festa. Mesmo assim, faria tudo de novo. Não me arrependo.
A declaração aterroriza, preocupa. E só mesmo ingressando no singular mundo dos barebackers para comprovar o que depoimentos, documentários, teses, livros e outros elementos que abordam o tema tentam desvendar ou explicar.
Na maioria das vezes, não conseguem. O que se testemunha numa festa bare está além da imaginação humana, supera os delírios e o surrealismo de Fellini em obras como Satyricon, ultrapassa a sordidez e o ceticismo pasoliniano em Saló ou 120 dias de Sodoma. Não há limites. De verdade.
A constatação pôde ser feita em encontros programados para homens de grupos sociais distintos. Na Ipanema da bossa nova, de gente chique “pulverizada” de Dior, Prada, Gucci, Kenzo, Gaultier e Armani, a reunião começa às 22h num casarão de uma das mais movimentadas e conhecidas ruas do bairro.
A mansão, de três andares, é fechada especialmente para a ocasião. O décor é sofisticado. No primeiro pavimento, paredes brancas contrastam com sofás vermelhos. TVs de plasma 42' exibem clipes de Madonna, Beyoncé, Cher, Christina Aguilera ou filmes com astros e estrelas de Hollywood.
As luminárias brancas rebatem a luz dicróica contra a parede, gerando clima de aconchego, e o bar, com bebidas importadas em sua maioria, está sempre livre. Ninguém fica sobre balcão. Não há tumulto. Claro, é uma festa para pessoas escolhidas a dedo, para poucos, no máximo 60 convidados, informados por e-mail.
Há regras, e elas são claras. É condição sine qua non ficar nu ou no, máximo, com uma toalha (cedida pela produção do evento) amarrada na cintura. Quem se recusa é convidado a se retirar.
Outra exigência: o sexo tem de ser praticado nos ambientes comuns de convivência. Ou seja, nada de se trancar em banheiro, em cozinha, em quarto. Ali, todos estão para ver e serem vistos.
E o ritual começa na entrada, quando os participantes tiram a roupa e guardam as peças em um armário, trancado com chave numerada. O funcionamento é semelhante ao de termas, masculinas ou femininas.
A medida, na verdade, serve para evitar a circulação com dinheiro e cartões de crédito. É precaução. Os que desejam consumir bebidas ou aperitivos, apenas transmitem ao barman o número assinalado na chave.
Os itens são lançados no computador e, no fim da festa, a conta é paga no caixa. O mecanismo lembra o adotado por boates e bares do eixo Rio–São Paulo, com suas tradicionais cartelas de consumação mínima. Só que numa festa bare, a bebida ajuda, os petiscos “fortalecem”, mas não são peças-chave para o divertimento.
Circulando pelos outros andares, a prova: na sala de vídeo, um jovem de cerca de 20 anos se entrega ao prazer, cercado por três homens.
Nenhum deles usa preservativo. A cena é chocante. O rodízio de papéis, durante o ato sexual, é comum nessas festas. Faz parte do jogo. O quarteto não frustra as expectativas dos voyeurs reunidos na porta da sala.
Como “astros do sexo”, diante de câmeras e de uma equipe de produção, atuam com vontade em uma performance longa, nada convencional, sem limites. Quem se propõe a ficar sob os holofotes sabe o risco que corre.
Mas é a sensação de perceber a adrenalina disparar e o coração bater aceleradamente devido ao unsafe sex (sexo inseguro) sem pudores e em público que os impulsiona.
Um deles podia ser gift giver e os outros bug chasers. Ou vice-versa. A probabilidade de o gift (o vírus) estar ali, entre eles, era grande. Ninguém se importava.
Quando terminou a primeira das muitas rodadas de sexo, o boy toy lover (brinquedo sexual) do trio foi jogar paciência em um dos quatro computadores, com internet liberada, instalados no segundo andar.
– As pessoas perdem a noção do perigo em busca do prazer – explica Jorge Eurico Ribeiro, 40 anos, coordenador de Estudos Clínicos da Fiocruz.
– E o conceito de barebacking se perdeu. Originária da Califórnia, a proposta é a de festas em que um ou mais participantes, sabidamente positivos, são convocados por um produtor para praticar sexo com os convidados sem o uso de preservativos. Todos têm ciência de que, na reunião, há portadores de HIV. O fetiche consiste exatamente na possibilidade de contrair ou não o vírus. Só que, atualmente, há quem acredite que as festas bare são simplesmente um evento para o sexo sem camisinha com participantes negativos, o que é um grande equívoco.
Ribeiro analisa que os barebackers que não apresentam o raciocínio da conversão imaginam, de fato, que, uma vez soronegativos, se limitarem seus relacionamentos com pessoas igualmente soronegativas, estarão fora do risco. Definitivamente não estão.
Há o espaço de tempo de variável (conhecido como janela imunológica) em que um indivíduo já contaminado pelo HIV pode ter resultados de exames laboratoriais de soronegatividade, ou seja, resultados falso-negativos. Testes HIV não são tão matemáticos como se supõe.
No Brasil, o obscuro universo do barebacking é pouco discutido publicamente por especialistas em sexualidade humana. Ainda não há estudo com precisão estatística sobre o número de praticantes, independente de orientação sexual.
No entanto, os relatórios do Ministério da Saúde com dados de infectados pelo HIV, de 1980 a junho de 2008, dão a pista. Os casos acumulados de Aids no país nesse período foram 506.499. Desses, 333.485 (66%) são homens e 172.995 (34%), mulheres. Em 2007, registraram-se 33.689 novos portadores.
Homo, bi ou hetero, todos praticaram sexo sem camisinha. A irresponsabilidade tem preço. E alto. Dos cofres públicos do governo federal saem cerca de R$ 1 bilhão por ano para tratamento exclusivo de soropositivos. Um paciente consome de R$ 5.300 a R$ 26.700 por ano. Cerca de 20 mil pessoas infectadas iniciam tratamento com anti-retrovirais no país, anualmente.
– Sinceramente, não me preocupo com essa questão e nem me sinto culpado. Não estou nem aí em ser um ônus para o governo – enfatiza R. H.
O Federal Health Research (centro de pesquisas de saúde), órgão governamental americano, divulgou recentemente a informação de que muitos homens com comportamento homossexual, bem como agentes de prevenção contra o HIV, confirmaram que a prática de sexo inseguro está se tornando cada vez mais comum.
Um estudo com 554 homens assumidamente homo ou bissexuais, residentes na Califórnia, apontou que 70% estavam familiarizados com o termo barebacking e que 14% já o haviam praticado, muitos em relacionamentos extraconjugais.
De acordo com a pesquisa, dos homens HIV positivos que participaram do estudo, 22% declararam ser barebackers e 10% dos negativos também tinham feito sexo inseguro nos últimos dois anos.
Não há informações sobre qual o número de pessoas em geral (homo, bi ou hetero) que pratica sexo inseguro nem sobre que motivos as levariam à auto-exposição.
Interesse dos jovens
Nas principais metrópoles, o fenômeno tem chamado a atenção de jovens. Comunidades sobre o tema se espalham por sites de relacionamento como o Orkut. No Rio e em São Paulo, a adesão ganha força.
Na indústria pornô, os filmes bare são os mais procurados. No YouTube, as postagens com cenas de sexo sem o uso de preservativos lideram o ranking das mais assistidas. Muitos dos que não praticam ou não têm coragem para fazê-lo buscam o prazer lançando mão de DVDs ou de vídeos na internet. O conceito de barebacking se dissemina.
– Colocar-se frente à possibilidade de contágio do HIV por meio do barebacking traz motivações psicológicas que podem ir do sadismo ao masoquismo. A possibilidade de uma relação sexual mais livre, com maior contato íntimo e afetivo pode estar encobrindo uma caráter suicida – avalia Paulo Bonança, sexólogo e psicólogo, membro da Sociedade Brasileira de Estudos da Sexualidade Humana e da Associação Brasileira para o Estudo da Inadequação Sexual.
Risco assumido
HIV positivo, o administrador T.W., 45 anos, ratifica a análise de Bonança. Para ele, os adeptos do movimento sabem os riscos da superexposição e, alguns, ressalta, desejam o contágio conscientemente:
– Quem pratica sexo sem preservativo não pode ser considerado ingênuo. Tenho um amigo casado com soropositivo. Ele pediu ao parceiro que o contaminasse. Disse que era por solidariedade, mas acho que é masoquismo.
As observações de Bonança e T.W. foram comprovadas pelo JB em outra festa com a mesma proposta. Dessa vez, na Zona Oeste, a mais de 60 km da reunião em Ipanema.
O encontro, realizado mensalmente em um sítio, é batizado de Vale Tudo e está em sua 17ª edição. De sunga, de cueca ou nus, exigência para entrar, os participantes se divertem ao som de funk. Dos inocentes à la Perlla aos proibidões, compostos pela “galera da comunidade”. Agora não há TVs de plasma, luz ambiente, bebidas ou petiscos sofisticados. Computador?
Nem pensar. É uma zona praticamente rural. O bar improvisado oferece cerveja em latão, sopa de ervilha, salsichão na brasa, batata frita na hora e campari. O sexo, claro, também é praticado sem timidez.
Na varanda do casarão, na sala, nos quartos, na piscina, na grama. O produtor avisa, na entrada, que os preservativos estão disponíveis.
Percebe-se o zelo pela prevenção. A maioria, no entanto, dispensa, sobretudo em se tratando de sexo oral.
As situações são muito parecidas com as da festa na Zona Sul. Geralmente, dois dão o sinal verde e, em poucos instantes, como num formigueiro, três, quatro, cinco ou dez estão reunidos em busca do prazer.
Há um ano e meio, Igor (codinome de J.C., 42 anos, professor dos ensinos fundamental e médio) produz em sociedade com Renato (A.F, 40 anos, militar), a Vale Tudo.
Garante que o encontro não incentiva o bare, é freqüentado só por maiores e que o uso de drogas é proibido. Esses são dois de cerca de 20 itens de uma espécie de manual enviado por e-mail aos convidados.
Ainda está registrado na mensagem:
- Sexo liberal entre todos. A formação de casais ou grupinhos é censurada. Estamos numa orgia e não num consultório matrimonial.
– Menor, cocaína, ecstasy, crack, maconha ou qualquer outra droga são vetados. Mas sempre há os que usam discretamente. Como posso controlar o que os convidados fazem? Se eu vir, peço que se retirem. Mas não vou colocar seguranças. Isso desconfiguraria a proposta da festa. São adultos. Cada um é responsável por seus atos – frisa Igor.
Mesmo sem ser em orgia, quem não usa proteção é 'barebacker'
A prática do sexo sem o uso de preservativo continua a conquistar novos adeptos. As campanhas milionárias do Ministério da Saúde sobre o tema não têm sido lá tão eficazes como deveriam.
E apesar do conceito de barebacking estar associado a orgias freqüentadas por homens que praticam sexo com homens, qualquer pessoa, independentemente de orientação sexual, que busca o prazer sem lançar mão de camisinha é um barebacker.
Também corre o risco de ser infectado, ainda que não seja um participante assíduo das conversion parties, as polêmicas e inconseqüentes festas de roleta-russa, nas quais os convidados brincam com a possibilidade de contrair o vírus HIV.
- Como expliquei, a conceituação de barebacking se transformou ao longo dos anos – ressalta Jorge Eurico Ribeiro, coordenador de Estudos Clínicos da Fiocruz.
– Todos os que praticam sexo sem preservativo, seja homo, bissexual ou hetero, podem ser considerados, atualmente, um bare.
Risco permanente
Ribeiro destaca a necessidade de de todos os que se lançam ao sexo sem camisinhas refletir sobre o polêmico tema e as conseqüências da prática. Os familiarizados com o termo e o movimento partem para o simples "sou contra" ou "sou a favor", estabelecendo-se, assim, dois lados que se mostram inconciliáveis justamente pela falta de consenso sobre a inconseqüência com que muitos homens praticam o unsafe sex. A discussão vai além.
- É importante se informar, pensar e decidir o que se pretende com isso. Ter uma vida saudável passa longe do exercício do bare. A decisão, claro, é exclusivamente pessoal. Da mesma forma que escolheram a orientação sexual, podem assim decidir o que fazer com o próprio corpo - assinala
Números divulgados pelo Ministério da Saúde sedimentam a análise do pesquisador. Em 1996, no Brasil, o índice de heterossexuais com mais de 13 anos contaminados pelo HIV era da ordem de 22,4% do total de 16.938 infectados.
Até junho deste ano, esse percentual saltou para 45,7%. Entre os homo/bissexuais houve uma redução de 32,5% (em 1996) para 27,4% (junho de 2008).
Preço mais alto
Garoto de programa desde 2005, Gabriel Chaves, 22 anos, afirma ser heterossexual e ter namorada. Mas assume que, quando um cliente oferece um valor maior do que o cachê estabelecido para praticar sexo sem preservativo, não pensa duas vezes:
– Tem uns que dobram ou triplicam o valor. Eu não tenho como recusar. Com mulher também é assim. Há homens que pagam mais para transar com elas no pêlo. É um risco, mas eu, por exemplo, procuro conversar antes e, aos poucos, perceber a qualidade do cliente – conta.
Gabriel não foge à regra dos barebackers e poderá fazer parte da estatística no futuro. Embora se autodenomine heterossexual, integra o grupo HSH (Homens que praticam sexo com Homens).
Há 12 anos, o percentual de HSHs infectados era de 24%. Uma década depois, em 2006, eles já somavam 41% do total de soropositivos naquele ano.
Aumento dos índices
Em 2004, a Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas Sexuais do Ministério da Saúde apontou que o índice estimado de HSHs no Brasil, entre 15 a 49 anos, era da ordem de 3,2 % da população, ou cerca de 1,5 milhão de pessoas.
A partir dessa base populacional, a pesquisa calculou a taxa de incidência da Aids nesse grupo. Foram constatados 226,5 casos para cada 100 mil pessoas. Esse índice é 11 vezes maior do que o da taxa da população geral (de heteros), que é de 19,5 casos por grupo de 100 mil.
O crescimento no número de casos, sobretudo entre os homens, está relacionado ao fato de que toda uma geração, que jamais havia tido contato direto com a Aids, atingiu uma faixa etária sexualmente ativa. Bombardeados por campanhas em favor do uso do preservativo, acabaram desenvolvendo uma certa "imunidade" a elas, crendo que a doença não é um "bicho tão feito quanto pintam".
Quando remédio é desculpa para ficar doente
Difundida principalmente nos Estados Unidos (Califórnia, em primeiro lugar) e na Europa, a prática do barebacking é polêmica.
Os adeptos do bare alegam que, em função dos avanços atuais relacionados ao tratamento anti-HIV e à facilidade de acesso a ele, caso sejam contaminados não perderão em qualidade de vida.
- Temos os anti-retrovirais, medicamentos que inibem a reprodução do vírus e potencializam o sistema imunológico. Isso impede o surgimento de enfermidades oportunistas (Aids) - ressaltam.
Eles ainda defendem como ponto positivo para não abrir mão da prática o fato de a ansiedade e a angústia frente ao possível contágio pelo HIV desaparecerem, assim que se descobrem soropositivos. Isso é sinônimo de libertação, pois que o uso do preservativo passa a ser descartado.
O barebacker está à procura da relação sexual mais livre, com maior contato íntimo e afetivo. As conseqüências, no entanto, relacionadas à prática nem sempre se traduzem de forma positiva, como supõem seus praticantes. Anti-retrovirais não são os únicos responsáveis pela qualidade de vida de um HIV.
Quando expostos, de forma freqüente, a relações de alto risco, os soropositivos podem sofrer o que se chama de “recontágio”, uma nova contaminação, acarretando aumento da carga viral e desencadeamento de queda de imunidade e sintomas.
Além disso, têm grande chance de contrair outras DSTs, tais com sífilis. Isso, certamente, dificultará o tratamento.
“Montar a pêlo”, a tradução literal para barebacking, seria uma lenda urbana se não houvesse comprovação real da prática.
A terrível tendência de comportamento existe. Há, de fato, homens, na maioria homossexuais, que querem ser infectados pelo HIV e outros que têm o prazer de ajudá-los a tornar esse desejo realidade.
Psicólogos, antropólogos e sociólogos teorizam sobre distúrbios de comportamento ou disfunção social. Para o resto do mundo, não passam de estúpidos ou patéticos.
sábado, 15 de agosto de 2009
Homem na Lua- 40 anos

O Homem; As Viagens
Carlos Drummond de Andrade
Composição: Carlos Drummond de Andrade
O homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.
Lua humanizada: tão igual à terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus.
O homem põe o pé em vênus,
Vê o visto — é isto?
Idem
Idem
Idem.
O homem funde a cuca se não for a júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira terra-a-terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
Do solar a col-
Onizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.
terça-feira, 4 de agosto de 2009
Woodstock - 40 anos

Ao longo deste mês, muito se mostrará, escreverá e falará sobre o transcurso dos 40 anos de um dos acontecimentos mais emblemáticos e alentadores do século passado: o Festival de Música e Artes de Woodstock.
Temo, entretanto, que os enfoques da indústria cultural fiquem entre o nostálgico e o pitoresco, como inimiga que foi e é dos ideais que se corporificaram nesse magnífico evento. Depois da efeméride inescapável, o que ela quer mesmo é remeter Woodstock para o arquivo morto por mais 10 anos.
Então, torcendo para que outros veteranos do sonho também o façam, vou discorrer sobre a vitalidade de Woodstock e os caminhos que nos aponta hoje e agora para a construção de um mundo melhor.
Para começar, uma constatação óbvia: Woodstock foi uma moeda que caiu em pé. Os deuses de todos os povos e de todos os tempos parecem ter-se mobilizado para que tudo desse certo durante três dias mágicos, maravilhosos, que seriam para sempre lembrados como uma amostra da perfeição possível neste sofrido planeta.
Sem favor nenhum, posso afirmar que Woodstock foi o evento musical que mais influenciou as artes e os costumes na história da humanidade. E a conjunção de fatores que o transformou em marco e lenda dificilmente se repetirá.
Mas, não precisamos acreditar piamente na esnobada de Gilberto Gil: "quem não dormiu no sleeping bag nem sequer sonhou". Apenas, levar em conta o que houve de específico nesse festival. Outros sonhos virão, com certeza. A História não tem fim, queiram ou não os Fukuyamas agourentos.
"SOME FLOWERS IN YOUR HAIR"
Para começar, o Festival de Woodstock foi o ponto de chegada e a culminância de vários fenômenos e acontecimentos marcantes.
A escalada norte-americana no Vietnã, ao longo da década de 60, engendrara um movimento pacifista de crescente influência entre os jovens dos EUA, com direito a manifestações de protesto, queimas de cartas de recrutamento, choques com a polícia e a uma manifestação-monstro de cerco ao Pentágono.
Em 1965, um estudante de química chamado Owsley Stanley aprendeu como fabricar ácido lisérgico no porão de sua casa e logo inundou San Francisco com o LSD, impulsionando o surgimento da geração das flores, imortalizada pela bela canção de Scott McKenzie: “Se você vier para San Francisco,/ não se esqueça de colocar/ algumas flores no seu cabelo...”
Foi aí que o movimento hippie nasceu, aglutinando jovens que recusavam o american way of life e caíam na estrada, em busca de aventuras e novas experiências.
Em termos mais profundos, pode-se lembrar que era a fase em que a crescente mecanização da indústria mais e mais dispensava o uso da força física, demolindo algumas vigas-mestras da sociedade norte-americana, toda ela construída em cima do ascetismo puritano (a negação do prazer a fim de poupar energias para o trabalho). Na década de 60, o prazer reconquistava suas prerrogativas.
Grandes festivais de rock já haviam ocorrido em Monterey (1967) e na Ilha de Wight. Este último vinha se realizando desde 1968, embora o mais marcante e lembrado seja o de 1970, quando se deu uma das últimas apresentações de Jimi Hendrix.
Quanto a públicos expressivos, também não eram novidade: o festival inglês já reunira 250 mil pessoas.
Mas, foi no de Woodstock que a indústria cultural investiu pesado, pela primeira vez. É que, com algum atraso, os mercadores das artes se deram conta de que tinham um diamante bruto ao alcance das mãos. Prepararam-se, então, para explorar em grande estilo o evento seguinte.
Por último, vale notar que ainda se vivia a época dos compactos, em que eram singles e não elepês que corriam o mundo, com a repercussão dependendo, principalmente, da divulgação nas rádios.
Pouco se conhecia da segunda onda do rock (a primeira, nos anos 50, fora a dos pioneiros Elvis Presley, Chuck Berry, Little Richard, Bill Haley, etc.).
Muitos garotos, como eu, amavam os Beatles e os Rolling Stones. De resto, haviam escutado. “The House of Rising Sun” (Animals), “Sunny” (Johnny Rivers), “A Wither Shade of Pale” (Procol Harum) e quase nada mais.
Existia uma produção musical de grande qualidade represada, não atingindo circuitos mais amplos. Seria a irrupção dessa nova geração de importantes artistas ainda relativamente desconhecidos que asseguraria a surpresa e o enorme impacto causados pelo filme Woodstock e pelo álbum triplo com registros desse evento.
BRINCANDO NA CHUVA
Foram três dias de “paz, música e amor”, de 15 a 17 de agosto de 1969, levando 450 mil jovens até a fazenda do leiteiro Max Yasgur, a 80 quilômetros de Woodstock, estado de Nova York.
Logo no primeiro dia o festival foi declarado livre: quem não tinha comprado antecipadamente o ingresso, não precisou mais fazê-lo. Com isto, os promotores tiveram US$ 100 mil de prejuízo inicial, mas acabaram saindo no lucro: o filme lhes proporcionaria um retorno imediato de US$ 17 milhões.
O torrencial aguaceiro do segundo dia foi tirado de letra pela moçada, que aproveitou para relembrar a infância, chapinhando na lama. De início se tentou afastar a chuva com a força do pensamento positivo, todo mundo gritando “No rain! No rain!”. Depois, o jeito foi se amoldar a ela, brincando de tobogã e cantando. No álbum Woodstock há dois registros disto: no disco I, o improvisado “canto da chuva”; e no II, a multidão entoando em coro o refrão “deixa o sol brilhar!”, da peça Hair.
As boas vibrações não impediram a ocorrência de três mortes: uma overdose, um atropelamento por trator e um ataque de apendicite. O guitarrista e líder do The Who, Peter Townshend, não se limitou, como de hábito, a destruir o instrumento de trabalho no final apocalíptico de sua performance; levou a fúria para os bastidores, quebrando o pau com o líder hippie Abbie Hoffman.
O evento foi processado para o cinema por Michael Wadleigh, que fez uma magnífica edição de imagens e introduziu uma novidade: a bi ou tripartição da tela, oferecendo ao espectador tomadas simultâneas do mesmo grupo, de artistas isoladamente, do público, etc.
Há, além disto, nítido empenho em situar o evento sociologicamente, ao contrário do documentário sobre o Festival de Monterey, que se ateve quase exclusivamente à música. Daí a merecida reputação de Woodstock como o filme que inovou a arte de registrar espetáculos musicais.
NEM TUDO FOI MOSTRADO
Muitos artistas deixaram de ter um número exibido no filme e no álbum triplo. Ficaram de fora Melanie, Mountain e Butterfield Blues Band, com o consolo de aparecerem no segundo álbum Woodstock, duplo, que foi lançado algum tempo depois. O Jefferson Airplane não está no filme, mas sua “Volunteers” consta do álbum triplo e teve mais canções aproveitadas no álbum duplo.
A relação dos que lá estiveram mas ficaram de fora tanto do filme quanto dos álbuns é extensa: Janis Joplin, Grateful Dead, The Band, Blood Sweat & Tears, Creedence Clearwater Revival, Incredible String Band e Johnny Winter. Motivo: problemas contratuais.
[Agora, na onda do MP-3, tudo isso foi finalmente disponibilizado para os saudosistas dos velhos e bons tempos, bem como para os jovens que querem saber saber como era o som que os pais, tios e avós curtiram...]
Os cachês mais altos foram os de Jimi Hendrix (US$ 18 mil), Blood Sweat & Tears (US$ 15 mil), Joan Baez e Creedence Clearwater Revival (US$ 10 mil cada). Santana exibiu sua empolgante fusão de rock e sonoridades latinas, “Soul Sacrifice”, pela bagatela de 750 dólares.
O trovador John Sebastian tirou a sorte grande: não foi convidado, mas apareceu para dar uma olhada e acabou subindo ao palco quando a chuva recém-finda impedia a apresentação de bandas eletrificadas. Ganhou direito a constar do filme e do disco, além de receber mil dólares.
O Crosby, Stills, Nash & Young, que acabava de ser constituído, cativou a platéia com seu folk-rock contestador e obteve êxito instantâneo, lançando as bases da longa carreira de seus integrantes (pouco tempo como quarteto e muito mais como artistas-solo).
No extremo oposto, o Ten Years After foi a principal vítima da síndrome de Woodstock: nunca igualou os 11 esfuziantes minutos de “Goin’ Home”, que valeram para Alvin Lee a reputação de grande guitarrista.
Outra curiosidade: foi marcante a aparição de Arlo Guthrie (“Comin’ Into Los Angeles”), cuja trajetória acabaria sendo eclipsada pela de Bob Dylan. Os estilos vocais e temáticos eram semelhantes, tendo Dylan sido mais eficiente em afirmar-se como herdeiro da arte e da lenda de Woody Guthrie, o precursor dos mochileiros. Correndo na mesma faixa, ele sobrepujou o próprio filho de Woody.
A vertente negra do rock se destacou em duas performances memoráveis. Richie Havens, um talento que depois definharia, arrepiou a platéia com seu camisolão africano e a interpretação fulgurante de “Freedom”. E Jimi Hendrix, no auge de sua genialidade, puniu simbolicamente os militaristas com a implosão do hino nacional norte-americano.
Isto para não falar do herdeiro branco e britânico de Ray Charles, o chapadíssimo Joe Cocker, com sua voz poderosa e postura bizarra, sacudindo o corpo para a frente e para trás como um boneco de mola enquanto as mãos dedilhavam sem parar uma guitarra inexistente.
O rock erudito, que marcaria toda uma época, também se fez presente em Woodstock: o The Who interpretou uma compilação de faixas da ópera-rock Tommy, projetando mundialmente essa sua (para a época) extravagância: um álbum-duplo que, faixa a faixa, vai contando a história de um menino que flagra o adultério da mãe e o assassinato do pai, recebendo então a ordem de apagar aquele episódio da mente e nunca relatá-lo a ninguém. O trauma o torna cego, surdo e mudo, mas ele acaba se libertando e atingindo a iluminação.
SÍNTESE DA CONTRACULTURA
Com Woodstock ganhou repercussão ampla o movimento de paz e amor que fermentava na boêmia San Francisco desde meados daquela década, como um desdobramento lisérgico e roqueiro do antigo movimento beatnik
Suas características externas são ressaltadas no filme:
* o amor livre e a desinibição corporal, com o nudismo sendo amplamente praticado, de forma inocente e até singela;
* a convivência harmoniosa, sem nenhum resquício de preconceito, entre indivíduos de todas as raças, credos e orientações sexuais;
* o consumo explícito e justificado (por alguns entrevistados, como Jerry Garcia) das drogas que, no entender daquela geração, abriam as portas da percepção;
* o visual premeditadamente desarrumado do pessoal, com suas roupas coloridas, ponchos e cabeleiras imponentes;
* a substituição dos laços familiares por uma comunidade grupal (ou, como se dizia então, tribal);
* a volta à natureza e a redescoberta do lúdico (em vários momentos, veem-se marmanjos entregues a brincadeiras pueris, sem nenhum constrangimento);
* a profusão de crianças, pois os hippies mandavam às favas o planejamento familiar, os anticoncepcionais e os abortos, assumindo plenamente o amor e suas conseqüências;
* o solene desprezo pelas regras e valores dominantes na sociedade, que se evidencia até nas falas dos organizadores do festival, não ligando a mínima para os prejuízos que estavam ameaçados de sofrer.
De certa forma, este comportamento era inspirado por teóricos como Reich, Marcuse e Norman O. Brown, que vincularam o autoritarismo político à repressão instintiva, alegando que a liberdade era cerceada não só pelos mecanismos sociais que mantinham a estrutura de classes (visão da esquerda convencional), como também pelos condicionamentos que embotavam a imaginação e inibiam o desfrute pleno da sexualidade.
Essas teses inspiraram uma nova voga anarquista, que pregava o combate ao stablishment também no íntimo de cada pessoa. As drogas serviriam para o resgate de faculdades esquecidas devido ao desuso; e a liberalidade sexual, incluindo as práticas antes estigmatizadas como perversões (homossexualismo, sodomia, sexo oral, masturbação), seria a premissa de uma visão erótica do mundo, em substituição ao princípio da realidade freudiano.
BRASIL: COMUNIDADES E BICHOS-GRILOS
A influência de Woodstock em nosso país pode ser detectada na música (Raul Seixas, Made in Brazil, a última fase dos Mutantes), no teatro (Oficina, Tuca), na cinematografia (o chamado cinema marginal) e, sobretudo, nos costumes, com os bichos-grilos que percorriam as estradas como caronas, indo e vindo à meca de Arembepe (BA), além de criarem comunidades urbanas e rurais onde exercitavam um estilo alternativo de vida.
Essas tentativas, entretanto, esbarraram no ambiente repressivo dos anos de chumbo, o que levou, p. ex., a ser expulso do Brasil o elenco do Living Theatre de Julian Back, que supôs encontrar aqui seu paraíso tropical; e, em termos mais amplos, na própria impossibilidade de contingentes mais amplos, num país pobre como o nosso, garantirem indefinidamente seu sustento com artesanato, aulas de ioga e que tais.
A grande vitória da Geração Woodstock foi ter conseguido arrancar os Estados Unidos do Vietnã. E seu exemplo repercute até hoje no ativismo em defesa do meio ambiente e a favor de algumas causas justas.
Além disto, ela entronizou a imagem do jovem como centro do universo do consumo, em substituição ao modelo rígido do pai de família, daí derivando a descontração no vestir, no falar e no comportamento.
E ainda lançou alguns modismos que hoje estão em menor evidência, como o ioga, a macrobiótica, o ocultismo e a agricultura natural (sem defensivos e fertilizantes).
Não perduraria, entretanto, aquela militância política idealista e generosa: as gerações seguintes se desinteressaram de mudar o mundo, voltando a priorizar a ascensão profissional e social. O rock, depois de uma fase intensamente criativa e experimental, voltou aos caminhos seguros do marketing.
As drogas, ao invés de abrirem as portas da percepção, se tornaram instrumentos para a fuga à realidade e a ilusão de onipotência, cada vez mais pesadas, até que se chegou ao pesadelo do crack. E o amor livre degenerou em sexo casual, promiscuidade e Aids.
O sonho acabou? Talvez. Mas, quem o partilhou só lamenta que haja durado tão pouco e tenha sido substituído por uma realidade tão insossa.
Eu prefiro mesmo é a postura do inesquecível Raulzito: ele nunca deixou de acreditar que a roda da fortuna giraria de novo, trazendo de volta, desta vez para ficar, o paraíso-agora! que iluminou nossas vidas por um fugaz instante... e, mesmo assim, marcou-nos para sempre.
Oh, baby, a gente ainda nem começou!
Publicado em Náufrago da Utopia
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