terça-feira, 14 de julho de 2009

Crônica




Festa Brasileira com certeza!

No penúltimo fim de semana, convidado por amigos, subi até Petrópolis. Tínhamos combinado a um bom tempo em participar da baunerfest (ou algo falável assim, rs) - festa da cidade em honra aos descendentes dos imigrantes alemãs que ajudaram na colonização da região. Era essencialmente uma festa folclórica na qual desfiam grupos de rapazes e moças apresentando números de música e dança recheado de canções tradicionais da velha Alemanha.
Até aí morreu Neves, vocês diriam. Eram dois os amigos que eu acompanhava, Hermes e Dionísios. Ambos tinham peculiaridades interessantes. Aquele, careca, sempre de gorrinho, elegante, muito conhecedor da história da cidade e seu monumentos, tecendo comentários sobre a região, seus palacetes e a história dos poderosos que passaram pro eles relacionando-os à história do Brasil, obviamente. Este, professor de história, negro, dono de uma linda cabeleira rasta, irônico e observador.
A primeira decepção de Dionísios foi saber que a festa alemã não teria variedades múltiplas de cervejas. Ele pensou, como eu também pensei, que a festa, sendo típica da cultura alemã, apresentasse um festival de cerveja de todas as marcas e procedências. No entanto, só tinha chopp da Brahma... (No final da festa, nós descobrimos uma barraca escondida dentro da antiga fábrica da Bavária na qual vendiam-se vários tipos de Bohemias - preta, pilsen e a top de linha Bohemia Confraria, ótima!).
Quando chegou na cidade, sua cabeleira rasta chamou várias vezes a atenção, coisa comum em uma cidade com uma população negra relativamente menor que a média nacional. A gente já estava brincando sobre o carater germânico da festa, mas estávamos admirando também a composição meio mestiça de certos componentes dos grupos folclóricos, tinha até negros! Nesse momento, as pessoas que iam desfilar estavam misturadas, ainda formavam grupinhos de fofocas e não estavam formados ainda. Não sabíamos como se daria o desfile.
Tomamos uma latinha de Itaipava, comemos um salgadinho... bela manhã.
Ao começar o desfile, os grupos iam se apresentando da seguinte maneira: jovens formandos quadrilha de casais executando danças e piruetas, seguidos por uma banda de desfile e fanfarra.
Como professores de história não poderíamos deixar de reparar na composição étnica de todos os participantes do desfile. Notamos que havia uma certa "democracia racial" na distribuição dos componentes. Mas aprofundando o olhar, descobrimos que a suposta democracia tinha alguns senões...
A grande proporção de negros nas bandas (que pareciam orquestras!) era muito interessante, pois atendia a dois princípios implícito no fato. O primeiro de atender a demanda de uma parte da população miscigenada e típica de muitas partes do território brasileiro, com um grande proporção de negros e mulatos. Sendo uma festa patrocinada pela prefeitura não faria sentido segregar nenhum segmento da população. A primeira solução, então, é pô-los na banda e deixar os casais de dançarinos e malabaristas compostos só por brancos.
Até aí tudo bem. Não fazia muito sentido ver negros executando danças alemãs do século XVIII ao som de canções folclóricas! Ainda comentei que os brancos precisavam dos negros para executar (e muito bem!) suas músicas tradicionais. Tinha ainda umas meninas negras mais clarinhas (rs,rs) em alguns quartetos só de meninas.
Estávamos, é claro, envolvidos em história naquela cidade. Tudo nos remetiam ao século XIX, à família imperial e à escravidão. Hermes nos contava histórias sobre os diversos palácios e monumentos e seus respectivos moradores e homenageados.
A composição do desfile ia nos mostrando a diversas nuances da composição etnica engendrada na história da cidade (a colonização alemã) e na história do Brasil (a presença do negro pela escravidão e todos os seus desdobramentos referentes a alforrias e abolição).
O desfile esta muito democrático, pensávamos (apesar da segregação dos negros à parte musical), correspondia a uma demanda de parte da população da cidade e uma forma de inclusão da mesma numa festa que tem pretensão de tornar-se identidade municipal, devido ao caráter recente de sua realização (desde 1992, eu acho...).
Até que veio a última parte do desfile, um perfilar de pequenas charretes cobertas de flores, com lindas crianças louras sentadas em bancos de veludo. Os condutores e outros adultos que participavam do desfile em cima das charretes eram todos brancos, louros e ruivos. Excelente, divino, maravilhoso! Parecia a Áustria - que lindo!
Mas um pequeno detalhe punha de novo por terra 121 anos de abolição da escravidão - coisa contumaz!
As charretes eram puxadas por burricos e poneis muito bem tradadinhos. No entanto, estes doces animais eram puxados por meninos e rapazolas. Louríssimos? Não! Pretinhos e mulatos (tinha um até meio indígena com negro)! Com roupinha de servo e tudo!
Estava alí um retrato autêntico de uma tradição histórica. Ficamos indgnados na hora. Como pode uma prática de sujeição se perpetuar de tal maneira que fica ainda resquícios até hoje? Os organizadores não perceberam essa gafe? No entanto, agora, na calmaria das emoções, posso talvez entender a lógica da história: assim se deu a história da colonização na cidade.

Um comentário:

  1. Cometi uma grande gafe ao escrever esta crônica: troquei as marcas das cervejas! Em vez de citar a grande Bohemia, citei a insossa Bavária! Ainda bem que meu amigo Dionísio, grande conhecedor das libações, me corrigiu e já consertei o texto.
    Obrigado Dionísio!

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