segunda-feira, 13 de abril de 2009

Liberdade ou libertinagem da imprensa?

Chupado de Observatório da Imprensa

LEI DE IMPRENSA

Mistificações em torno da liberdade abstrata

Por Sylvia Moretzsohn em 7/4/2009


A causa da liberdade provoca paixões. Paixões que alucinam. Empolgado na defesa de sua proposta de abolição da Lei de Imprensa, na sessão em que o Supremo Tribunal Federal começava a discutir o tema, o deputado Miro Teixeira exagerou na metáfora clássica do "quarto poder": a imprensa não seria apenas representante do povo, seria o próprio povo. Assim resumiu O Globo a fala do deputado, na edição de quinta-feira (2/4):

"A imprensa são os olhos do povo. Requeiro que desapareça a possibilidade de pena a jornalista ou responsável pela publicação sempre que houver causalidade com o direito do povo e que nós possamos ter um país em que o povo possa controlar o Estado e não que o Estado possa controlar o povo, como temos hoje".

E o povo, como todo mundo sabe, "se vê" na Globo.

Caberia perguntar, então, qual o sentido da democracia e da realização regular de eleições diretas para os mais variados cargos legislativos e executivos do poder do Estado, qual o sentido da existência dos mais diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, se quem nos representa – perdão: quem incorpora nossa identidade – são as empresas de comunicação?

Grandes empresas privadas de comunicação, segundo o modelo vigente no país.

Grandes empresas privadas podem ser a referência de expressão do interesse público?

Quem sabe a pergunta nem faça sentido, pois é forçoso reconhecer que, identificada com o "povo", a imprensa estabeleceria essa "linha direta" – portanto, sem mediações – comprometida com a expressão daquilo que outro deputado, em outra ocasião, chamou de "instintos mais primitivos". Afinal, o "povo" é assim.

Entretanto, vindo de quem vem, o raciocínio nem é tão surpreendente. Num passado relativamente recente, numa das muitas vezes em que os exageros televisivos expressavam precisamente esses "instintos" e levaram à discussão sobre a necessidade de se estabelecer limites para a programação, Miro Teixeira, então ministro das Comunicações, argumentava singelamente que "o melhor controle é o controle remoto" [CartaCapital, "Globo: questão de Estado", 1/10/2003]. Era uma declaração absolutamente coerente com a lógica neoliberal da democratic marketplace, na qual o cidadão é assimilado ao consumidor e o consumidor "tem sempre razão". Hoje, porém, com o abalo provocado por uma crise financeira global de consequências ainda imprevisíveis, conviria refrear um pouco esse ardor em torno do mercado.

Liberdade de expressão x liberdade de imprensa

Retornemos ao argumento original. Esse "direito do povo" a que o deputado se refere é o direito à liberdade de expressão, automaticamente identificado ao da liberdade de imprensa. Seria importante desfazer o equívoco, porque afinal se trata de duas coisas diferentes: bastaria indagar, por exemplo, se o jornalista funcionário de uma empresa goza de tal liberdade; ou mesmo se "o povo" não teria a sua liberdade de expressão restrita quando envia uma carta não publicada ou – nesses tempos de "cidadãos-repórteres" – manda uma colaboração ou denúncia que acaba descartada. (Neste segundo caso, a resposta óbvia é não, porque não há jornalismo sem edição, e editar significa fazer escolhas. Jornais devem zelar por sua linha editorial. Além disso, em qualquer suporte diferente da internet, têm espaço limitado).

Mas essa confusão é muito adequada quando se deseja tratar abstratamente desse tema tão delicado que é a liberdade de imprensa, esquecendo-se convenientemente as condições concretas em que se pratica o jornalismo e os interesses envolvidos no negócio da imprensa, especialmente num contexto de forte concentração dos meios de comunicação.

veja texto completo no Observatório da Imprensa

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