sábado, 11 de abril de 2009

Miniconto de Celso Lungaretti


UM MINICONTO
O NOVÍSSIMO TESTAMENTO

Era Deus. E como Se enfadasse na eterna contemplação do Seu umbigo, criou o Céu e a Terra. Fez brotarem as plantas e nascerem os animais. E, à Sua imagem e semelhança, engendrou o homem. "Deveria ter tomado uma cervejinha antes de toda essa trabalheira", pensou Ele.

Mas, Sua criação estava imperfeita. De que lhe valia esse panaca pelado a coçar eternamente o saco? Precisava pôr um pouco de ação no Paraíso terreno, caso contrário teria de agüentar uma chatice infernal.

Se fosse um diretor de cinema estadunidense, produziria uns vilãos quaisquer que parecessem ameaçar o way of life da única nação que importa no mundo, botando Adam para caçá-los com requintes de extrema violência. "Negativo. Para Minha biografia ficar bem bíblica, é melhor que nada Me vincule à linhagem de Átila, Hitler ou George W. Bush."

Também Lhe passou pela cabeça duplicar Adão e ficar vendo menino brincar com menino. Mas, desistiu: "Isso começa num mero troca-troca, mas acaba virando parada de orgulho gay. E a Igreja que fundarão em Meu Nome vai falir de tanto pagar indenizações por assédio de menores..."

Então, só lhe restou criar o oposto, dando o pontapé inicial na dialética. "A Teologia da Libertação vai ficar me devendo essa."

Mas, sendo Uno, o Criador não suportou assistir à livre interação dos princípios masculino e feminino. Ficou com ciúmes dessa complementação perfeita, com Adão e Eva tendo a cada instante a alegria de descobrir amorosamente a si e ao outro.

"Vou acabar com essa bem-aventurança toda", decidiu Deus, ao distribuir as tarefas do dia para Satã.

Bastou uma maçã, e pronto! Homem e mulher nunca mais se deram tão bem nem foram tão felizes juntos.

E Deus, contemplando in seculo seculorum as disputas banais da força contra a intriga, foi ficando tão bobo como os espectadores das novelas da Globo.

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