terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Quando a cultura torna-se propaganda ideológica

O governo de Getúlio Vargas procurou organizar a nação em moldes totalitários. Neste sentido, não se furtou em lançar mão de um instrumento bastante eficaz - a propaganda -, criando, ainda em 1931, o Departamento Oficial de Publicidade. Em 1934, foi criado no Ministério da Justiça o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural. Em 1939, o Estado Novo constituiu um verdadeiro ministério da propaganda (o famoso DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda), diretamente subordinado ao presidente da República. O DIP exerceu funções bastante extensas, incluindo cinema, rádio, teatro, imprensa e literatura. O DIP dirigiu também a transmissão diária do programa radiofônico “Hora do Brasil”, o qual iria atravessar os anos como instrumento de propaganda e de divulgação das obras do governo.
A preocupação maior do regime era promover um projeto de nação civilizada e erradicar os últimos resquícios de “barbárie”. Os órgãos governamentais, neste sentido, agiam estabelecendo diretrizes que iriam nortear o sistema educacional brasileiro. À medida que as massas urbanas cresciam e surgia uma cultura de massa, o governo procurava intervir, através principalmente do DIP, no sentido de promover os bons costumes morais e o enquadramento do brasileiro dentro de uma ordem – sobretudo no que diz respeito ao trabalho. Atuava, portanto, tanto na elaboração e preparação do material de propaganda de massa, quanto no monitoramento deste material, controlando com censores todas as matérias da imprensa escrita e falada.
Assim, através de incentivos, promoções, direcionamentos e divulgações o governo de Getúlio Vargas interveio diretamente nos meios de comunicação de massa – rádio e cinema, sobretudo – procurando impor seu projeto de nação intimamente relacionado à idéia de um governo personalista.
Dessa maneira, vemos as manifestações de cultura de massa sendo gradativamente cooptada pela ideologia oficial, legitimando-a. No samba, por exemplo, a cultura da malandragem vai sendo substituída pela cultura do trabalho. É claro que havia resistências culturais, tensões ideológicas e insatisfações quanto às dificuldades econômicas. Assim, podemos encontrar, nas letras dos diversos sambas da época, o embate entre a ideologia do trabalho e a cultura da malandragem, entre outras contradições. Noel Rosa, Wilson Baptista, Assis Valente e muitos outros são exemplos de compositores que se equilibravam entre a tradição da boemia e os novos valores de uma nova sociedade “civilizada”. Destarte, em “Camisa List[r]ada” e “Lenço no Pescoço” vemos a apologia da malandragem, enquanto que em “Recenseamento”, “Rapaz Folgado” e “O Bonde de São Januário” o que é exaltado é o trabalho e o “bom juízo”.
No cinema, o Estado getulista procurou, como na música, incentivar a produção de filmes que divulgassem novos modelos de comportamento para o povo brasileiro, recuperando propostas forjadas em décadas anteriores por educadores e cineastas. Criticava-se e procurava-se superar a “subversão” do cinema por empresários inescrupulosos que inundavam os mercados com produções “deseducativas” e “imorais”. As críticas traduziam os preconceitos de setores das elites brasileiras sobre as formas de diversão e lazer das classes populares.
Apostando na capacidade da técnica cinematográfica como veículo de propaganda e de educação, o governo cria mecanismos importantes que possibilitaram a implementação do cinema educativo. Os cineastas, ávidos por mostrarem suas criações no mercado, viram nos incentivos governamentais a possibilidade de realizarem suas obras. Em abril de 1932 um decreto estabeleceu incentivos para a produção de filmes que fossem capazes de contribuir para o aprimoramento educacional do povo brasileiro, assim como uma reserva de mercado para produções nacionais.
Ao Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, criado em 1934, caberia as funções de estimular a produção, favorecer a circulação e intensificar e racionalizar a exibição em todos os meios sociais de filmes educativos. Estes incentivos previstos pelo decreto de criação do DPDC deram um novo impulso à atividade cinematográfica no Brasil, com a fundação de novas produtoras, como, por exemplo, a Brasil Vita Films, de Carmem Santos e Humberto Mauro.
Humberto Mauro dirigiu o filme que sintetizaria todo um ideal de povo e nação que se procurava forjar naquele período: “O Descobrimento do Brasil”.
Cercado de publicidade nos jornais e exibições para autoridades, o filme foi recebido em tom patriótico, exaltado por sua atmosfera mística ao retratar o contato do homem branco com a Terra Nova, seu fascínio diante do elemento indígena (totalmente desvinculado de qualquer conotação de selvagem), a procissão da Cruz, a primeira missa, e a harmonia do encontro das raças. O filme retrata, com marcante idealização, aquilo que seria o retrato fiel do Descobrimento. Criticado, já na época, por reforçar a história oficial e não apresentar nenhuma crítica à colonização portuguesa e a subjugação dos povos autóctones, o filme, afinal, cumpria sua finalidade a qual seria marcar o mito de fundação da nação.
Uma imagem, seja de que natureza for, corresponde a uma narrativa. Possui, portanto, sentido e intencionalidade. Imagens são textos. As imagens e textos da Era Vargas nos remetem a intencionalidade do regime em promover sua ideologia e aglutinar a população interna em um só ideal de nação, orientada pela moral e pelos bons costumes, eliminando, ou tentando eliminar, qualquer possibilidade de desvio dessas diretrizes.
Com a popularização do cinema e do rádio nas décadas de 20 e 30, estes e outros instrumentos de comunicação seriam mobilizados para a educação e para a propaganda, sobretudo a partir da ascensão de Getúlio Vargas ao poder com a Revolução de 30.


FONTES:
ALMEIDA, Cláudio Aguiar. Cultura e sociedade no Brasil: 1940-1968. 5ª ed. São Paulo: Atual Editora, 2001.

ESPAÑA, Rafael de. Guerra, cinema e propaganda. In: Olho da História nº 03.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp.

OLIVEIRA, Lúcia Lippi (org). Estado Novo: Ideologia e Poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

ROSA, Cristina Souza da. Câmara na mão, política na cabeça. In: Dossiê nº 42.
SITES

GARCIA, Jorge Edson. Humberto Mauro, 100 anos. In: http://www.cinemabrasil.org.br/hummauro/

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