quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

APOCALYPTO

(APOCALYPTO) EUA, 2007 – Direção: Mel Gibson

A história da escravidão foi marcada por assassinatos e violência extremados. Diversos documentos, textuais ou não, contemporâneos à escravidão ou posteriores, explicitam o grau de violência desta funesta instituição. Como quaisquer textos, os relatos são carregados de subjetividades e intenções e, portanto, suscetíveis a julgamentos de valores, pressupostos ideológicos etc. Verificamos em textos, como, por exemplo, o filme de Mel Gibson Apocalíptico aspectos interessantes no que diz respeitos às intenções do autor ao produzir tais relatos. No filme observamos a predominância de uma visão protestante (apesar do diretor ser católico, porém produzindo numa sociedade predominantemente protestante) acerca do processo de captura e escravização do homem. Em Apocalypto, o processo de escravização é de tal barbarismo que já denotaria uma “sociedade podre por dentro”, ou seja, uma sociedade cujos deuses e costumes não estariam de acordo com os preceitos cristãos.
No processo de produção imediata do escravo, o processo de aprisionamento e captura é de uma violência chocante, os cativos são acorrentados uns aos outros e amarrados com cordas pelo pescoço e arrastados pelo caminho. O aprisionamento, desse modo, é produto da guerra, forma legitimada de trocas não-equivalentes, e, portanto, direcionada contra o elemento estrangeiro. O filme recebeu crítica negativa por este aspecto violento de retratar indígenas aprisionando indígenas, mas, convenhamos, quando e em qual lugar a escravização do homem pelo homem foi um processo brando? È interessante notar a violência explicitada nos documentos, principalmente os textos abolicionistas, ao relatar a trajetória dos africanos nos negreiros. Durante o percurso nos tumbeiros, os textos nos contam sobre os percalços da viagem, o sofrimento e as mortes. A trajetória dos indígenas no filme também é marcada por angústia e aflição. No entanto, as perdas de vidas devem ser ponderadas na medida em que os escravos eram mercadorias valiosas e, portanto, os mercadores deviam ter alguma preocupação com a preservação de vidas. No filme, por exemplo, a morte de um prisioneiro (homem) causou constrangimento entre os captores.
O tráfico negreiro trouxe às Américas uma proporção maior de homens do que de mulheres. Este fato se deve ao objetivo principal do tráfico, o qual seria o emprego de elementos masculinos principalmente na lavoura exportadora. As mulheres e crianças, mesmo empregadas em menor proporção, eram bastante aproveitadas. Neste aspecto, o filme nos mostra que, na escravização entre os indígenas (pelo menos naquele contexto), o objetivo principal era o aprisionamento de homens para sacrificar aos deuses (motivações político-religiosas) ou empregá-los nas minas (motivações econômicas). As mulheres eram capturadas para o uso econômico e para o casamento, enquanto as crianças eram descartadas.
Apocalypto têm aspectos bastante interessantes como a preocupação com a linguagem, os personagens falam os dialetos locais (para isso houve uma preocupação na produção em pesquisar tais dialetos) e a concepção do tempo circular (o mundo para nossos antepassados ameríndios era concebido como uma seqüencia infinita de ciclos contínuos – o que acontecia era uma repetição do que já havia acontecido antes, já estava previsto pelos deuses e não havia como escapar ao destino traçado por eles, ao contrário de nossa concepção de tempo, linear e descontínuo). A presença do oráculo, a menina encontrada no caminho, é o primeiro indício de uma mudança brusca. No final, insinua-se que o pior estava por vir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário