quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Em busca da verdade perdida

Em certas ocasiões, quando todas as opressões do mundo contemporâneo parecem destituir de sentido toda a nossa existência, ficamos a nos perguntar se a razão da existência do homem, o seu destino, é ser um eterno prisioneiro de suas crenças, de suas convicções. Até que ponto essas convicções determinam e delimitam a experiência humana e criam axiomas irrefutáveis? Em que proporção essas crenças delimitam as nossas ações e decisões? Como o homem pode exercer, sem culpas, o seu livre-arbítrio (se é que o homem realmente detém este livre-arbítrio)? São estas e algumas outras questões pertinentes à vida para as quais o homem não encontra solução e são umas das principais fontes de angústia e sofrimento humano. Não temos a pretensão de resolver esses dilemas (quem nos dera!), mas recorreremos a alguns homens do passado que fizeram esta tentativa.
Inicialmente, recorreremos a Ortega y Gasset. Para ele, a vida humana constitui uma realidade radical, da qual todas as demais realidades, efetivas ou pressupostas, aparecem nela. Nossa vida, nós a vivemos porque fazemos coisas; somos obrigados a cumprir tarefas que são a razão de ser de nossa existência. Porém, estas tarefas nos são condicionadas por uma série de convicções sobre coisas e pessoas ao nosso redor. Podemos, então, escolher entre uma ação e outra e, assim, viver.
A nossa existência, portanto, é regida pelas nossas crenças; as nossas convicções são as bases de nossa experiência de vida. A esse conjunto de crenças, Ortega chama de “repertório”, por se constituírem em um emaranhado que não possui uma articulação lógica. São, às vezes, incongruentes, contraditórias ou desconexas. Diferem-se das idéias, que, ao serem pensadas, podem ser descartadas ou não. A crença é a idéia em que se acredita (e não pode ser descartada). Acreditar não é mais um mecanismo intelectual, mas uma função para orientar nossa conduta, nossas tarefas. (ORTEGA Y GASSET, s/d, pp. 27-28).
Então, o homem que se sente, como a mosca de Nietzsche, o centro do Universo, não passa de um burro de antolhos?
Segundo Sigmund Freud, o sofrimento do homem provém de três direções: primeiro, do próprio corpo, pela decadência e pela ansiedade; em seguida, do mundo externo, através de uma força de destruição esmagadora; e, finalmente, pelo seu relacionamento com os outros homens. A pressão externa fez com que o homem moderasse as suas reivindicações de prazer. Para que o homem pudesse viver em sociedade teve que abandonar seu extinto de agressividade e abrandar sua compulsão sexual. A possibilidade de vida comunitária entre os seres humanos teve, como pressuposto, um conceito duplo: primeiramente a compulsão para o trabalho, criada pela necessidade externa; em seguida vem o amor, que fez o homem relutar em privar-se de seu objeto sexual, a mulher; esta, por sua vez, precisou privar-se daquela parte de si própria que lhe fora separada, o filho. O amor, então, impõe restrições à civilização, querendo conservar seus membros juntos a si; ao mesmo tempo, a civilização impõe regras e proibições restritivas ao amor (uma dessas restrições seria a excitação visual em detrimento à excitação olfativa do desejo sexual). O argumento de Freud, portanto, seria de que, para sermos felizes, teríamos que abandonar a civilização. (FREUD, l978, p. 170).
Então, tentemos entender: o homem é regido por um conjunto de regras, às vezes desconexas, mas altamente hierarquizadas e estas mesmas regras, fundamentais para a sobrevivência do homem na sociedade, é que tornam fonte de sofrimento para este mesmo homem.
Estamos sempre a nos perguntar onde está a origem da felicidade. Como conhecer a essência da verdade, que nos proporcionaria o pleno prazer. Segundo Alexandre Koyré, essas perguntas foram feitas aos antigos sábios. Sócrates, por exemplo, fugia às respostas. O seu papel não era emitir opiniões ou formular teorias, mas examinar os outros homens. Platão conhecia a doutrina de Sócrates, porém, o modo de exposição desta doutrina não a tornou acessível a todos, não é difícil imaginarmos que Platão não desejasse esta acessibilidade. (KOYRÉ, 1963, p.15).
Para Platão, a ciência verdadeira é aquela que emana da alma, do seu próprio trabalho interior, onde estão as respostas. Para obtermos as respostas é preciso conhecer o que estamos procurando, pois como saberíamos que encontramos o que procuramos, se não soubéssemos o que realmente buscamos? (idem, p. 19). Na verdade, procuramos saber o que já sabemos, ou melhor, “procuramos recordar um saber esquecido (...). O saber e inato à alma” (idem, p. 20).
A ciência é a única coisa que pode ser ensinada. A virtude só pode ser ensinada se for ciência, caso contrário, é impossível. Deve ser por isso que os homens de Estado puderam governar as cidades com sucesso; porque possuíam a opinião verdadeira (virtude), no entanto foram incapazes de transmiti-la aos seus sucessores, talvez por não se tratar de ciência. (idem, p.24).
Devemos nos perguntar, então, o que entendemos como virtude. Para esta questão devemos usar o raciocínio correto e não o discurso persuasivo, a simples retórica. Devemos encarar a virtude como verdade, ou seja, alguma coisa a mais que o simples sucesso pessoal, conforme pensava Ménon (idem, p.25).
Procurar a verdade, tentar acordar n’alma a “recordação” do saber é uma tarefa extremamente difícil; implica esforço. Tem que se buscar a essência e não significações banais que possam redundar em simplificações de conceitos importantes como, por exemplo, a virtude. A virtude, como ciência que é, só pode ser ensinada para quem compreender a sua essência.
Compreender a essência da verdade, eis a questão pertinente a Platão. Em “A República”, os homens que estavam no interior da caverna só conseguiam ver as sombras, os contornos das coisas. Não havia, para eles, o dês-velamento. Este, causava-lhes dor e estranhamento. O deslumbramento os impedia de fixar os objetos cujas sombras viam outrora. (v. 515d).
Segundo esta concepção, todos os homens podem ter o domínio do saber. Nada escapa à humanidade, todas as imagens, todos os signos, todo o conhecimento, enfim, toda a verdade não passaria de recordação, do mesmo modo, segundo Salomão, “toda a novidade não passa de esquecimento”. (MANGUEL, s/d, p.27).
Nietzsche, no entanto, apesar de seguir uma linha de pensamento semelhante, não parece que concorde com essa “essência” que transcende as coisas. Segundo o filósofo alemão, e nos parece válida esta opinião, a verdade não passa de arbitrariedade. Recordemos suas palavras:
“O que é verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismo, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem, a um povo, sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas.” (NIETZSCHE, s/d, p.56).
Temos, portanto, algumas proposições a respeito da “realidade do real” e da possibilidade do homem, através da busca da verdade, atingir o nirvana. A busca da perfeição e do pleno gozo, eis o ideal de vida da humanidade. Vimos, através deste pequeno ensaio, variados pontos de vista sobre o assunto; por mais que busquemos resposta para nossas indagações, no entanto, percebemos que estamos longe da compreensão e do entendimento que levaria tranqüilidade ao nosso espírito. Mas não desistamos da luta! Talvez pegando um pouco de cada ensinamento, pesando aqui e ali, e tentarmos extrair deles a sua substância, quem sabe reformulando todo o nosso conjunto de crenças e reformularmos o nosso ideal de vida, e possamos avançar um pouco nesse caminho. É extremamente difícil, não nos iludamos. O homem, cada vez mais, torna-se obcecado por transformações políticas e sociais ou por ascensão social, confunde felicidade com melhoria material; busca respostas através de doutrinações ideológicas, tanto de esquerda, quanto de direita; substitui a Fé pela Razão e vice-versa. Estamos longe de obtermos respostas, continuaremos por muito tempo perdidos e confusos nos nossos dilemas. Mas o que fazer? Fazem parte da própria natureza humana essas angústias. É isso que torna o homem um ser diferente de todas as demais espécies vivas do planeta.

Um comentário:

  1. Para saber mais:

    DOCUMENTAÇÃO:


    PLATÃO. A República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. Fundação Calouste Gulbenkian.


    BIBLIOGRAFIA:

    FINK, Eugen. A Filosofia de Nietzsche. Lisboa: Editorial Presença, s/d.
    FREUD, Sigmund. O mal-estar da civilização. IN: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
    KOIRÉ, Alexandre. Introdução à Filosofia de Platão. Lisboa: Editorial Presença, 1963.
    MANGUEL, Alberto. Lendo imagens – Uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia da Letras, s/d.
    NIETZSCHE, Friedrich. Obras Completas. São Paulo: Abril Cultural, s/d
    ----------------------------- Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral. 1873.
    ORTEGA Y GASSET. História como Sistema Mirabeau ou o Político. Brasília: Editora Universidade de Brasília, s/d.

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