quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Política e religião: mistura indigesta!

A questão católica é um interessante tema de discussão nesses tempos de fundamentalismos de múltiplas tonalidades. Muita gente razoavelmente bem informada historicamente pode se perguntar como alguém em seu juízo perfeito pode ser católico hoje em dia, já que a Igreja cometera diversas iniqüidades ao longo de sua história, principalmente durante as Cruzadas e nos diversos processos inquisitórios e, mais recentemente, apoiara os mais brutais líderes de extrema direita da Europa e inúmeras ditaduras latino-americanas.
Causa-nos extraordinário espanto notar o fato de como um poder como o papado e os dogmas católicos mais arraigados tenham sobrevivido e, em vários aspectos, se fortalecido mesmo após todas as conturbações políticas e filosóficas dos séculos XVIII e XIX. Levando-se em conta que nem sempre o poder da Igreja era centralizado no Vaticano, ou seja, houve um tempo em que a autoridade da Igreja católica era amplamente distribuída pelos grandes concílios históricos e incontáveis teias de critério local. Durante mais de dois milênios a supremacia romana foi mais um supremo tribunal de recursos do que uma autocracia singular. A ideologia da supremacia papal, presente em nossa memória viva, é uma invenção do final do século XIX e início do século XX.
No contexto de formação dos Estados nacionais, a maioria dos Estados em formação estava propensa a separar a Igreja do Estado e, neste ínterim, a instituição tornou-se alvo de opressão na Europa durante a maior parte do século XIX: suas propriedades e riquezas eram sistematicamente saqueadas; as ordens religiosas e o clero foram privados de sua esfera de ação; as escolas passaram a ser controladas pelo Estado ou foram fechadas. Em meio a essas vicissitudes, a Igreja enfrentou um conflito interno entre os que insistiam numa supremacia papal absolutista do centro romano e os que defendiam uma maior distribuição de autoridade entre os bispos. A primeira tendência (“ultramontana”) saiu triunfante e sacramentada pelo I Concílio Vaticano, em 1870. Nesse Concílio, o papa foi declarado infalível em questões de fé e moral, assim como o incontestável primaz – o supremo líder espiritual e administrativo da Igreja. Na verdade, uma espécie de prêmio de consolação, já que era uma delimitação de limites mais do que infalibilidade e supremacia. Nas três décadas que se seguiram, a Igreja ultramontana prosperou e se fortaleceu. Havia um senso revigorante de lealdade, obediência e fervor. O renascimento da filosofia cristã de São Tomás de Aquino proporcionava a percepção de um bastião contra as idéias modernas e uma defesa da autoridade papal. Na primeira década do século XX, no entanto, os conceitos da infalibilidade e supremacia papais se tornaram indistintos. Um instrumento legal e burocrático transformara o dogma numa ideologia de poder papal sem precedentes na longa história da Igreja de Roma.
O pontificado de Pio XII foi a apoteose da supremacia papal. No entanto, esse poder foi se consolidando aos poucos, ainda quando Pio XII ainda era Eugênio Pacelli, um diplomata do Vaticano que ajudou a consolidar uma ideologia na qual transformou a Igreja numa instituição monolítica e triunfalista, principalmente após a Segunda Guerra, em contraposição direta ao comunismo, tanto na Itália como além da Cortina de Ferro.
Quando as estruturas internas e a moral da Igreja católica começaram a apresentar sinais de fragmentação e decadência, nos anos finais de Pio XII, houve um anseio de reavaliação e renovação. O II Concílio Vaticano foi convocado em 1962, por João XXIII, que sucedeu Pacelli em 1958, justamente para rejeitar o modelo de Igreja monolítica e centralizada de seus antecessores, de preferência em favor de uma comunidade descentralizada e humana, sempre em movimento.
No entanto, o centrismo papal e do Vaticano não aceitou os novos tempos com facilidade. Por meio de manobras abertas e clandestinas a Igreja de Pio XII vem se reafirmando e confirmando um modelo piramidal – a supremacia de um homem de batina branca determinando tudo da solidão de seu pináculo. Essas forças ressurgiram para desafiar as resoluções do II Concílio Vaticano e criaram tensões. A paisagem antiga mais uma vez reapareceu e o II Concílio Vaticano é agora interpretado em Roma muito mais no espírito do I Concílio Vaticano e no contexto do modelo de catolicismo de Pio XII.



Fonte:

CORNWELL, John. O papa de Hitler – a historia secreta de Pio XII. Rio de Janeiro: Imago Ed, 2000.

2 comentários:

  1. Eu fui apresentado ao livro de John Cornwell por meu amigo Marcio André. O relato é impressionante!

    Em 1999, Cornwell publicou Hitler's Pope, no qual ele acusa Pope Pius XII de apoiar a legitimação do regime nazista na Alemanha através da prossecução de uma Reichskonkordat em 1933 e de permanecer silenciosos durante o Holocausto.

    Five years after the publication of Hitler's Pope , Cornwell had somewhat modified his views: "I would now argue, in the light of the debates and evidence following Hitler's Pope , that Pius XII had so little scope of action that it is impossible to judge the motives for his silence during the war, while Rome was under the heel of Mussolini and later occupied by Germany." [ 1 ] Cinco anos após a publicação do Hitler's Pope, Cornwell tinha modificado um pouco a sua posição: "Eu ia argumentar agora, à luz dos debates e das provas seguintes Hitler's Pope, que Pio XII tinha tão pouca margem de acção que é impossível julgar o motivos do seu silêncio durante a guerra, enquanto Roma estava sob o calcanhar de Mussolini e posteriormente ocupada pela Alemanha.

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  2. Deu na wikepédia:

    Ultramontanismo refere-se à doutrina e política católica que busca em Roma a sua principal referência. Este movimento surgiu na França na primeira metade do século XIX. Reforça e defende o poder e as prerrogativas do papa em matéria de disciplina e fé.

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