quarta-feira, 11 de março de 2009

A Igreja Católica e a Maçonaria

Na quinta-feira da semana passada, o Arcebispo Metropolitano Dom José Alberto Moura, de 65 anos, protagonizou um ato que, para muitos, já pode ser classificado como histórico. Participou de reunião branca da Maçonaria, na Loja Deus e Liberdade, na avenida Mestra Fininha, centro de Montes Claros. Trata-se de iniciativa que transcende, e muito, o motivo do encontro - criar parceria visando à concretização de medidas que promovam a segurança pública, tema da Campanha da Fraternidade 2009 - para assumir condição de verdadeiro marco.

A constatação encontra amparo no fato de que, em termos de Igreja Católica, às vezes o gesto vale mais que a palavra propriamente dita ou escrita. Caso, por exemplo, da divulgação do famoso, e temido, 3º segredo de Fátima. No ano 2000, transição do século XX para o XXI, o Papa João Paulo II revelou o interpretação da última profecia atribuída a Maria, mãe de Jesus, que, em outubro de 1917, teria aparecido a três pastorinhos na cidade de Fátima, em Portugal, hoje um dos maiores santuários marianos do mundo. Disse que o conteúdo remetia basicamente à perseguição sistematizada de ateus à Igreja, de que o próprio papa fora vítima, no atentado que quase lhe tirou a vida, no dia 13 de maio de 1981, data de especial devoção à Virgem de Fátima. Ainda na virada do milênio, o Pontífice questionou o conceito de fim de mundo, muitas vezes bandeira da própria Igreja. Tanto numa como noutra investida vaticana, percebe-se a tentativa de diferenciar a Igreja das seitas que, aproveitando o contexto e as alusões de Nostradamus à consumação dos tempos, supostamente marcada para o ano 2000, acabaram por causar pânico em muitos fiéis.

Então, fica aberta a brecha para se entender o real peso da atitude de Dom José Alberto, que, prestes a completar dois anos à frente da Arquidiocese de Montes Claros - em 14 de abril -, já deu mostras de que preza o diálogo e, nele, a unidade. Não à toa, o líder religioso, que faz questão de perfumar onde quer que chegue com fino senso de humor, recebeu a incumbência direta da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil de presidir a Comissão Episcopal Pastoral para o Diálogo Ecumênico e Inter-Religioso. Marcou pontos preciosos. Um verdadeiro gol de placa.

Para melhor absorver o impacto da visita de um arcebispo, que ainda é referência para três dioceses (Januária, Janaúba e Paracatu), integrantes da Província Eclesiástica de Montes Claros, a um templo maçônico, torna-se necessário retornar ao passado. Saber quando e por que houve atritos entre Igreja e Maçonaria. Episódio, aliás, que originou lendas e animosidades. A Maçonaria incomoda sobretudo por ser uma sociedade secreta, que reúne homens que se destacam profissionalmente na sociedade. Terreno fértil para emergir verdadeiras culturas que anexam a instituição ao mal. As de maiores apelos populares são o bode preto e a obrigação de renegar Deus. Coisas que só a ignorância explica.

Pois bem. Apesar de reconhecer a existência de divergências acerca do assunto, Marcelo dos Reis Tavares, em trabalho desenvolvido para Unesp de Franca (SP), considera razoável aceitar que a Maçonaria despontou como instituição a partir da fundação da Grande Loja de Londres, em 1717, pelos pastores protestantes James Anderson e J. T Desaguliers. A obra sublinhou a passagem da Maçonaria operativa, que os contrutores das catedrais criaram na Idade Média, para a Maçonaria especulativa ou filosófica, que envolvia, além de pedreiros, livres pensadores. O apogeu maçônico ocorrera durante a Revolução Francesa, de 1789. Alguns acreditam que a Maçonaria seja fruto típico do Iluminismo, dado seu caráter racional e liberal. Assim, é comum encontrar ali ideias de secularização, democracia de toda espécie e crença num poder criador, denominado de Grande Arquiteto do Universo. Certos estudiosos, porém, atestam que a Maçonaria remonta ao período bíblico do Rei Salomão, que contratara o arquiteto Hiram para edificar o Templo de Jerusalém, ou mesmo antes, na era pré-dilúvio.

A relação da Igreja com a Maçonaria foi cordial até o surgimento de questões religiosas. Era comum a presença de membros da hierarquia eclesiástica na Maçonaria e de maçons nas ordens e congregações religiosas. Até que, conforme Marcelo Tavares, nos pontificados de Pio IX (1846-1878) e Leão XIII (1878-1903), intensifcaram-se na Igreja Católica o combate ao liberalismo e racionalismo e seus efeitos nos campos religioso, filosófico e político. Trocando em miúdos, a Igreja fechava-se para a modernidade e solicitava completa submissão dos poderes temporais à autoridade papal, que ia "além dos Alpes". Daí a denominação de ultramontanismo. Os principais alvos do combate eram o protestantismo e a Maçonaria, encarada como uma das responsáveis pela unificação italiana, que, a propósito, redundou na perda dos estados pontifícios.

No Brasil, as reformas ultramontanas afetaram a posição da Igreja no Império, que tinha vários membros na Maçonaria. Foi um tempo difícil, porque o imperador tinha a prerrogativa de aceitar ou não as indicações da Santa Sé de pessoas para o episcopado. Não raro, o governante fazia a escolha que julgasse correta.

Há que se mencionar também a encíclica Quanta Cura, que Pio IX promulgou em 1864 e que trazia o Syllabus, palavra de origem grega que significa lista de erros. Nesse anexo, o papa excomunga os maçons e discorre sobre a inconveniência de católicos frequentarem a Maçonaria. O professor, pesquisador e historiador Antônio de Queiroz e Silva, do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, cita Wagner Veneziani Costa para contar que, "em 1983, o cânon da excomunhão desapareceu, junto com a menção direta à Maçonaria". A impressão de que a Igreja Católica tirou restrições à Maçonaria, entretanto, desmorona na declaração assinada pelo cardeal Joseph Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. No documento, o atual Papa, Bento XVI, relata que "os princípios da Maçonaria seguem sendo incompatíveis com a doutrina da Igreja, e que os fiéis que pertençam a associações maçônicas não podem ter acesso à Sagrada Comunhão". Não proíbe, entretanto, uma aproximação estratégica, amigável entre as duas instituições.

Texto da jornalista Valéria Borborema

Veja o interessante blog "Apenas uma idéia, só isso"

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